Saturday, August 20, 2011

João Botelho e Teresa Vilaverde: breve comentário




Apesar de ter achado que as declarações foram mais moderadas do que em tantas outras entrevistas, não posso deixar de salientar algumas pequenas barbaridades, às quais me considero já habituado. E de muitas outras abdiquei. Ver entrevista completa.

"A tendência do cinema seria para a abstracção. Como todas as artes, como a pintura foi. Para as coisas cada vez menos narrativas e mais abstractas e as pessoas não suportam isto. Não suportam essa ideia de abstracção. Eu lembro-me de nos anos 60 ver um filme do Andy Warhol que é uma pessoa, durante quatro horas, a dormir. E é cinema, garanto eu. E o John Giorno a dormir durante quatro horas é cinema. E o cinema ia para uns caminhos e depois foi para outros. É a abstracção, é filmar um prédio durante doze horas. A mudança de luz num prédio, para mim, é muito importante. Portanto, há muitas coisas diferentes e não só uma. A ideia de que é para contar histórias...", João Botelho (A de Autor, TVI 24h, 13 de Agosto).

Aqui, deixo que cada um tire as suas próprias conclusões.

"No ano passado tive uma discussão com a Ministra da Cultura e ela atreveu-se a usar a palavra 'subsidiodependente', que e uma palavra que eu odeio. Primeiro, nunca tive dinheiro para comer e dormir sem fazer nada. Sempre tive dinheiro para trabalhar e para fazer coisas." João Botelho (A de Autor, TVI 24h, 13 de Agosto).

Tendo em conta o que diz depois, se tenciona fazer comparação com França, Espanha, Brasil, Itália, toca a comparar resultados. São, sim, subsidiodependentes e recebem o dinheiro para fazer algo muito perto de nada. Como se admite um trailer e um poster como os do recente Cisne, de Teresa Vilaverde ?

"As pessoas hoje em dia é tudo glamour, e o que não é glamouroso não vale nada. E o que eu vou dizer tira um pouco do glamour e dá um bocado da realidade. Por exemplo, há realizadores portugueses - mas isto é mesmo verdade - que estão a filmar, estão a meio de trabalhar, e não têm dinheiro para pagar a renda da casa. Há realizadores portugueses que estão a filmar, por exemplo, e vão, tipo, tomar duche a casa de assistentes porque não têm água quente em casa e que depois passam no cinema e depois vão a Veneza e depois vão a Cannes. (...) E isto acontece a imensas pessoas. E estas pessoas fazem cinema porque adoram esta arte. E não precisam dela, não é para viver para comer, porque depois não comem. Um produtor sem dinheiro para pagar a renda ou para comer, realmente nunca vi. Mas um realizador é a maioria. E isto é uma verdade, isto é assim. E como isto é um meio pequeno e nos conhecemos todos, é tipo, num dia estão a pedir dinheiro para almoçar e no outro estão na passadeira vermelha. (...) E nós estamos aqui, tipo, miseráveis, mas depois como somos convidados para sítios incríveis, põe-nos nos hotéis mais caros que há. E depois uma pessoa quer um café e um café custa sei lá quanto. Um realizador está num hotel e bebe água da torneira.", Teresa Vilaverde (A de Autor, TVI 24h, 13 de Agosto).


A pura mediocridade, a canção do pobrezinho, o reflexo da ambição e da competência da grande maioria dos cineastas portugueses. Declarações absolutamente ridículas no que toca ao mundo cinematográfico nacional e, pior, no que toca à inserção dos cineastas num comum povo. O cineasta português acha-se sempre superior ao resto dos cidadãos e estas declarações são prova disso. Como se atreve esta senhora a reclamar mais ajudas (ainda que de forma meramente tácita) argumentando com uma miséria que não existe ? Basta ver, numa conferência, numa palestra, na rua, que não há um realizador português (óbvio que estou a generalizar) que não tire um iPhone do bolso. Isto sim é a verdade. E esta senhora deve achar que é mais do que os recém-licenciados nas áreas da educação, das ciências sociais e de tudo o mais, que igualmente muito têm de lutar para sobreviver. E esta senhora esquece-se dos 7% de cada subsídio do ICA que vai directamente para o bolso de um realizador. E esquece-se que um director de fotografia tem tabelados 250€ por dia de trabalho.

Este é o estado em que estamos. Não podemos continuar a dar dinheiro a estas pessoas, não podemos continuar a sustentar uma indústria que não tem quaisquer objectivos, direcções ou intenções, em que o principal e responsável organismo público se rege pelo compadrio e pela lei do conformismo.

Tenham vergonha.


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