Apesar de ter achado que as declarações foram mais moderadas do que em tantas outras entrevistas, não posso deixar de salientar algumas pequenas barbaridades, às quais me considero já habituado. E de muitas outras abdiquei. Ver entrevista completa.
"A tendência do cinema seria para a abstracção. Como todas as artes, como a pintura foi. Para as coisas cada vez menos narrativas e mais abstractas e as pessoas não suportam isto. Não suportam essa ideia de abstracção. Eu lembro-me de nos anos 60 ver um filme do Andy Warhol que é uma pessoa, durante quatro horas, a dormir. E é cinema, garanto eu. E o John Giorno a dormir durante quatro horas é cinema. E o cinema ia para uns caminhos e depois foi para outros. É a abstracção, é filmar um prédio durante doze horas. A mudança de luz num prédio, para mim, é muito importante. Portanto, há muitas coisas diferentes e não só uma. A ideia de que é para contar histórias...", João Botelho (A de Autor, TVI 24h, 13 de Agosto).
Aqui, deixo que cada um tire as suas próprias conclusões.
"No ano passado tive uma discussão com a Ministra da Cultura e ela atreveu-se a usar a palavra 'subsidiodependente', que e uma palavra que eu odeio. Primeiro, nunca tive dinheiro para comer e dormir sem fazer nada. Sempre tive dinheiro para trabalhar e para fazer coisas." João Botelho (A de Autor, TVI 24h, 13 de Agosto).
Tendo em conta o que diz depois, se tenciona fazer comparação com França, Espanha, Brasil, Itália, toca a comparar resultados. São, sim, subsidiodependentes e recebem o dinheiro para fazer algo muito perto de nada. Como se admite um trailer e um poster como os do recente Cisne, de Teresa Vilaverde ?
"As pessoas hoje em dia é tudo glamour, e o que não é glamouroso não vale nada. E o que eu vou dizer tira um pouco do glamour e dá um bocado da realidade. Por exemplo, há realizadores portugueses - mas isto é mesmo verdade - que estão a filmar, estão a meio de trabalhar, e não têm dinheiro para pagar a renda da casa. Há realizadores portugueses que estão a filmar, por exemplo, e vão, tipo, tomar duche a casa de assistentes porque não têm água quente em casa e que depois passam no cinema e depois vão a Veneza e depois vão a Cannes. (...) E isto acontece a imensas pessoas. E estas pessoas fazem cinema porque adoram esta arte. E não precisam dela, não é para viver para comer, porque depois não comem. Um produtor sem dinheiro para pagar a renda ou para comer, realmente nunca vi. Mas um realizador é a maioria. E isto é uma verdade, isto é assim. E como isto é um meio pequeno e nos conhecemos todos, é tipo, num dia estão a pedir dinheiro para almoçar e no outro estão na passadeira vermelha. (...) E nós estamos aqui, tipo, miseráveis, mas depois como somos convidados para sítios incríveis, põe-nos nos hotéis mais caros que há. E depois uma pessoa quer um café e um café custa sei lá quanto. Um realizador está num hotel e bebe água da torneira.", Teresa Vilaverde (A de Autor, TVI 24h, 13 de Agosto).
A pura mediocridade, a canção do pobrezinho, o reflexo da ambição e da competência da grande maioria dos cineastas portugueses. Declarações absolutamente ridículas no que toca ao mundo cinematográfico nacional e, pior, no que toca à inserção dos cineastas num comum povo. O cineasta português acha-se sempre superior ao resto dos cidadãos e estas declarações são prova disso. Como se atreve esta senhora a reclamar mais ajudas (ainda que de forma meramente tácita) argumentando com uma miséria que não existe ? Basta ver, numa conferência, numa palestra, na rua, que não há um realizador português (óbvio que estou a generalizar) que não tire um iPhone do bolso. Isto sim é a verdade. E esta senhora deve achar que é mais do que os recém-licenciados nas áreas da educação, das ciências sociais e de tudo o mais, que igualmente muito têm de lutar para sobreviver. E esta senhora esquece-se dos 7% de cada subsídio do ICA que vai directamente para o bolso de um realizador. E esquece-se que um director de fotografia tem tabelados 250€ por dia de trabalho.
Este é o estado em que estamos. Não podemos continuar a dar dinheiro a estas pessoas, não podemos continuar a sustentar uma indústria que não tem quaisquer objectivos, direcções ou intenções, em que o principal e responsável organismo público se rege pelo compadrio e pela lei do conformismo.
Tenham vergonha.
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