Friday, August 20, 2010

Almodóvar, a obsessão e a necessidade do auto-conhecimento: Mujeres al borde de un ataque de nervios (1988) e La Mala Educatión (2004)


A obsessão é um dos inafastáveis veículos de condução da essência humana, ao ser todo um conjunto de atitudes potenciais, portanto, que exponenciam outras, mais simples. Trata-se de um espelho dos pontos de vista da emoção e do intelecto humano - de forma mais racional e prospectiva, e aí chame-se-lhe ambição, ou mais descontrolada e alheia, e aí chame-se loucura.

Foi com um pequeno retrato de um conjunto de obsessões que Pedro Almodóvar deu o grando salto para a ribalta, nomeadamente para solo norte-americano, em Mulheres à beira de um ataque de nervos. Longe das suas lutas psicológicas, filosóficas e culturais pelo liberalismo social e sem intenções discurssivas mais profundas, sobre o Homem, que normalmente aborda, conta-nos a estória de um dia na vida de três mulheres que se conhecem e se interligam através de um conjunto de teias ditadas pelos seus homens ou pelo acaso, acabando cada um por levar ao outro. São vários os episódios caricatos e hilariantes que as personagens protagonizam, a um ritmo precisamente nervosinho (close-shot nos sapatos irrequietos), consciente mas à beira do ligeiro histerismo, com diálogos secos, rápidos e cómicos e com uma atmosfera neutra e incrivelmente colorida - um melodrama paródico, um filme engraçadíssimo, um óptimo remédio para a má disposição.


Em Má Educação, identifico uma visão e uma abordagem completamente diferente ao tema, às personagens, à atmosfera, à vida - uma obsessão por respostas, por explicações, ainda que forjadas. O linear desmantela-se em o desestruturado e indeciso (sucessivas analepses), conferindo ao argumento a primeira ponta de dinâmica e criatividade e embrenhando o espectador na efémera e recorrente luz com que a nossa memória nos confere acesso ao passado. A perspectiva singular e directa desmonta-se num aglomerar de influências, desenvolvendo-se aqui toda a genialidade narrativa da película, pois são várias as estórias que assistimos, nós e as personagens, de forma autónoma e separada, como inúmeras caixas sucessivamente dentro umas das outras, abrindo-se à nossa vontade, fazendo-nos duvidar da sua continuidade e questionar sobre o seu papel.
É assim a única forma de compreender o caminho por onde viemos, as etapas que ultrapassamos, os obstáculos que enfrentámos, aquilo que nos deram, aquilo que nos tiraram, aquilo que perdemos, conquistámos ou roubámos. É assim a tentativa que é feita por Almodóvar para se fique, nós a conhecer e as personagens a recordar, aquilo que foi um caminho tumultuoso pela infância, pela adolescência, pela árvore em que se tornou uma má educação, pelo controverso de que se parte e que daí surge (o abuso sexual, a transsexualidade, as drogas), pelas estranhas conexões que podem surgir entre o Homem, que caricaturam o próprio acaso e fazem dele estúpido (do acaso). Uma busca por uma identidade própria (com literais trocas de identidade, ao longo do filme), uma necessidade de auto-conhecimento.
Esteticamente irrepreensível, com uma fotografia serena e emotiva (as cenas da ingenuidade infantil, das brincadeiras, em câmara lenta, acompanhadas pelo canto agudo da criança; a cena escura e azul, assustadora, na casa de banho, com um close-shot nos pés das crianças, escondidas atrás da porta, aumentando a tensão que culmina na imponente imagem do padre, quando a consegue abrir).
Um dos meus favoritos.

4 comments:

  1. MÁ EDUCAÇÃO é também um dos meus favoritos. O MULHERES À BEIRA DE UM ATAQUE DE NERVOS acho-o sobrevalorizado. Não é assim tão bom. Este MÁ EDUCAÇÃO já é mais arte. Um filme sublime: na realização, nas performances, no grande argumento, na fotografia, etc etc

    Cumps.
    Roberto Simões
    CINEROAD – A Estrada do Cinema

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  2. Concordo em pleno contigo Diogo. Sobre ambos os filmes. Vi o Má Educação há já alguns anos mas revê-lo deixa-me, ainda, com aquele prazer com que fiquei quando o vi pela primeira vez. E hás-de ver o Mujeres com amigos, é sem dúvida uma experiência divertida ;)

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  3. ROBERTO: Não o acho sobrevalorizado porque, não sendo fabuloso, nunca senti aquele hype que se vê com outros filmes dele. Concordo com o resto.

    FLÁVIO: Por acaso quando o vi, vi-o sozinho, mas seguirei o teu conselho, ahahah.

    Abraço.

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  4. Como já referi antes, são dois dos meus favoritos. LA MALA EDUCACIÓN, então, é sublime. Conta uma história fantástica!


    Abraço,

    Jorge Rodrigues

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