Sunday, November 7, 2010
EFF'10: Machete (2010)
São muito poucos os filmes cheios de tiros, sangue e pancada no geral, sexo e bad guys, de que costumo gostar, algo em que as noites TVI são especialistas. Além disso, tipos como Jackie Chan ou o presente Steven Seagal são dos actores que mais detesto. Se, por um lado, Machete tinha todos os ingredientes para ser mais uma dessas pérolas, por outro, ou não tivesse estreado em Veneza, tinha potencial para ser um filme que se servisse do seu género e o magistrasse de tal forma que a sua história fosse incrível, com uma intenção e um tema, enterrando uns clichês e dando nova vida a outros, em que a dimensão visual fosse somente sublime. Foi precisamente a esta segunda possibilidade que assisti.
O que aqui se passa é uma luta entre o conservadorismo patriarcal norte-americano, estratégica e financeiramente suportado por um violento magnata mexicano, e a imigração ilegal que nasce da fronteira entre os EUA e o México, que segura uma desproporcional resistência às novas políticas nacionalistas. O que se passa aqui é uma luta e um discurso, sob a forma do mais puro entretenimento, sobre a ancestral diferença que existe entre Lei e Justiça. O que os liga a todos não é apenas um homem, mas antes um mito: Machete, um ex-Federale, um vingativo herói, um Viriato américo-latino. Não é outro senão Danny Trejo, que por melhor que tenha estado, nunca se diga que levou o filme às costas, já que não foi capaz de escapar a um resto de elenco fenomenal: Michelle Rodriguez, Robert De Niro, Jeff Fahey, Cheech Marin e até Jessica Alba e Seagal (Lindsey Lohan não fez nada para além do que ela é, fora a parte da "freira").
O guião parte de um conjunto de lugares comuns que constituem o género de acção e dá uma grande volta a vários deles, acabando por dar uma nova dimensão aos que resistem. Temos, nas primeiras cenas, Mayra Leal a ser encontrada nua, numa nudez sensual e assassina, e não reles, plástica e injectante, que faz parte da matança. Assim, nua e esbelta. E é a parte sex-cool do gangue. Errado: seria, se isto fosse mais um filme dos tais - morre logo a seguir, morta pelo próprio manda-chuva, com um fulminante tiro no olho. Ou a mulher de Machete que morre num piscar de olhos, sem pseudo-negociações que sempre resultam na queda dos bandidos. Ou a destroçante e repentina morte de Luz. Ou o massacre na igreja, sob uma velocidade e debaixo de uma música perfeitas, em que o Padre não leva a melhor, como aconteceria ... bom, já se sabe.
Enfim, falo, essencialmente, da crueza das acções, que constituem os factores ritmo, surpresa e novidade (por exemplo, quem imaginava que Machete não ia fazer sexo com a inspectora ?). E depois somos brindados com deliciosos pormenores que são o que vem erguendo o cinema desde sempre, como a primeira cena com Jessica Alba, em que, ao mesmo tempo que observamos um bando de trabalhadores mexicanos a comprar uns tacos numa roullote latina, ouvimos as notícias radiofónicas sobre as novas políticas de restrição à imigração e, segundos depois, vemos o distintivo da autoridade, "Imigration". Ou como a cena em que Luz não tem gelo e usa um ovo frio, que mais tarde estrela e dá alta ao personagem principal. Mas tantos outros.
E complementando, ou antes, fundando tudo isto, surge uma trama engenhosa, que para mim é uma verdadeira revolução no argumento do thriller político, em que tudo faz sentido, tudo é explicado, em que o espectador participa e conjectura e em que nunca deixa de ficar surpreendido. E, portanto, é criado um ambiente tão alucinante, tão envolvente, a empatia com as personagens é tal que a nossa costela de membro da claque do bem nunca para de vibrar, e é exactamente por aí que resultam os clichês que persistem, até porque, no meio de tudo, nem acreditamos que vão acontecer. Por exemplo: não, não vou dar este exemplo, porque pode estar a ler gente que, já tendo levado com alguns spoilers, não pode levar com este (pista: "What eye ?"). Mas vá, a equipa médica clandestina, constituída por um americano e duas enfermeiras gémeas, sexy, que usam vestidos curtos.
Robert Rodriguez e Ethan Maniquis fizeram o melhor, ao passar tudo para o ecrã. Fotografia extraordinária, décors bem arranjados, claramente informados, que respiram cultura mexicana (exemplo: os carros tunning), uma câmara e uma edição que mostra que há mestres a filmar cenas de acção que, por sua vez, são geniais e sanguinárias. Destaque também para o guarda-roupa e para a magnífica banda-sonora.
Um dos filmes do ano.
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Concordo plenamente contigo e com a tua análise despretensiosa. É claramente um filme de entretenimento puro, exploitation no seu auge, arrisco-me a dizer o ponto alto da filmografia de Robert Rodriguez, o ritmo, a genialidade... É realmente fantástico. 4*
ReplyDelete«Machete don't text!»
Esta tua crítica alegra-me bastante ;) Tenho expectativas elevadas para "Machete" (confesso-me agora e digo que adorei a trilogia Mariachi...gosto do estilo do Rodriguez) e por isso é bom saber que elas se podem confirmar...ou mesmo superar!
ReplyDeleteTIAGO: Como já te tinha dito, essa última frase teria sido uma óptima crítica, ahah.
ReplyDeleteCATARINA: De Rodriguez só conheço o El Mariarchi e gosto muito (venero, em especial, algo pouco comum de se apreciar - a produção). De resto, nunca tive grande vontade de ver nada. Mas agora tenho a certeza de que vais adorar este ;)
Tenho o Machete a sacar (coff coff) e assim qe o vir, comento :-)
ReplyDeleteDORA, cá te espero ;)
ReplyDeleteadoro o abuso de cliches que Rodriguez adopta.
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