A mestria do director não parece ter-se desvanecido nem turvado com todo o contexto em que volta a manifestar-se (a prisão domiciliária de Polanski), ou não fosse O Escritor Fantasma uma magnífica jornada pelos convencionalismos do thriller, algo feito de forma potencial e quase sempre alheia a clichés e conveniências narrativas.
A atmosfera é constantemente pesada, dura e avassaladora, com um céu de um cinzento carregado, a noite gélida e húmida, a chuva torrencial e crepitante, como o seu inimigo fogo. A fatalidade climatérica é uma fatalidade emocional, às quais se aliam os cenários perturbantemente fechados, isolados e distantes, do posto de de Adam Lang e equipa, da ilha, do barco, da casa de Paul Emmet. As transições entre uns e outros, o contraste com uma paisagem aberta e libertadora, mas ainda assim de cores mortas e com horizonte no mar, constroem uma incontornável conspiração entre mão do homem e a natureza, na confinação dos personagens a uma autêntica e omnipresente prisão psicológica e política
A câmara, ainda que não tanto como esperava e gostava, percorre connosco o trabalho, expressões, desconfianças, investigação e descobertas do fantasma (um delicioso pormenor - nunca chegamos a saber o nome da personagem protagonizada por Ewan McGregor), envolvendo-nos no mistério e na intriga, oferecendo-nos as peças para montarmos o puzzle, os recortes para fazermos o jornal, os dados para tirarmos as conclusões. A trama é intrincada e complexa, gentil no que toca a permitir-nos desconfiar de todos os interessados, em certo ponto; é reveladora, surpreendente e coerente com a inteligência que Roman permite ao espectador utilizar e faz-se acompanhar com óptima conjugação entre uma música ritmada, assertiva, alarmante e perfeita para momentos de suspense (que gostava que tivesse sido usada mais vezes) e o necessário som do silêncio, quase sempre no lugar certo.
Os minutos finais são passíveis de deixar qualquer audiência colada à cadeira, ao contarem com a solução que temos vindo a procurar desde o início e com duas grandes cenas finais - um close shot perseguidor do bilhetinho da revelação, com grande aumento da tensão e da expectativa (verdadeiramente thrilling) e o atropelamento, casual ou não, do homem que era uma pedra no sapato, como já o havia sido o seu antecessor, com as folhas do manuscrito a inundarem as frias ruas de londres - de quem são estas palavras ao vento ? Um mistério que, na estória para lá da que vemos, nunca será resolvido.
Notas para a excelente prestação de todo o elenco, com particular destaque para Ewan McGregor e Pierce Brosnan.
Estou curiosa de ver esta nova obra de Polanski.Deve ser um grande filme!
ReplyDeleteO trailer nunca me deixou com muita curiosidade para o ver, mas a crítica tem-me tentado irremediavelmente. A ver num dia destes.
ReplyDeleteCumps.
Roberto Simões
» CINEROAD - A Estrada do Cinema «
É um filme excelente, um dos melhores thrillers dos últimos anos e um dos melhores filmes do ano. O pormenor nos detalhes, a banda sonora, as interpretações (embora não concorde com a de Pierce Brosnan), o ambiente... envolvem-nos de tal forma de início ao fim, que nem uma certa previsibilidade do argumento, incomodam.
ReplyDeleteConcordo absoutamente com o Tiago. É um dos melhores do ano, até ver. Não é um Polanski "topo de gama", por assim dizer, mas é um esforço sólido de um realizador cuja vida pessoal tem sido assombrada por tantos problemas que não sei como é que ele consegue ter paz de espírito para realizar filmes tão cerebrais como este.
ReplyDeleteAbraço,
Jorge Rodrigues
http://dialpforpopcorn.blogspot.com
P.S. - O Samuel deu-lhe A- no nosso blog (não fui eu que tive o prazer de escrever essa crítica :P) mas eu concordo com o que ele disse, dei ao filme B+.
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ReplyDeleteCATARINA e ROBERTO: Força, vale a pena.
ReplyDeleteTIAGO e JORGE: Certamente que não é um Chinatown, mas, como dizem, vale bem a pena e é do melhor que se tem feito, do género.
Olha esta, que argumenta que o realizador tenta superar o género banhando-o de angústia metafísica (e é de um site muito fixe): http://www.revistacinetica.com.br/ghostwriter.htm
ReplyDeleteUma reflexão interessantíssima, obrigado. E o site parece excelente, já está adicionado aos recomendados.
ReplyDeleteÉ um filme elegante, bem construído, intrigante. Gostei.
ReplyDeleteThe Ghost Writer é um bom thriller mas segue caminhos fáceis no desenrolar do trama.
ReplyDeleteAbraço
Cinema as my World
Tanto tempo que esperei pelo filme e confesso que esperava mais. Não é mau, mas achei-o um pouco maçudo.
ReplyDeleteCompreendo. A expectativa é sempre um factor chave da avaliação e apreciação de um filme - daí veio a minha grande desilusão, por exemplo, com The Eternal Sunshine of a Spotless Mine, um filme que acho muito sobrevalorizado.
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