Tuesday, April 6, 2010

Monster / Monstro (2003)


As histórias verídicas demoram sempre mais tempo a engolir. Não por serem menos verosímeis, mas sim por se darem ao luxo de passar num exame de consciência mais profundo. No final do filme, há sempre aquele breve segundo de apertada inspiração (não no sentido criativo, mas no sentido fisiológico), que nos deixa ficar sentados, a apreciar os créditos, e a saborear, uma vez mais, a dureza da realidade que muitas vezes nos passa despercebida.

Monster conta a história da prostituta Aleen Wuormos (interpretada por Charlize Theron), condenada a pena de morte, nos EUA, em 1991, e executada em 2003, por sete homicídios, traída nos últimos momentos da sua liberdade por Selby Wall (interpretada por Christina Ricci), sua namorada.
O argumento não é brilhante. Está bem estruturado e aquilo que me parece corresponder ao Act One está muito bem feito: Aleen e Selby conhecem-se, numa situação de engate comum (com a particularidade de que temos uma menina bem comportada a tentar qualquer coisa com uma prostituta nojenta) e vemos aquele interesse e simpatia iniciais transformarem-se numa amizade mais forte e, eventualmente, em amor. A cena em que as duas quase fazem o que têm a fazer, na rua, está muito boa. Paralelamente, é estranho acreditar que Selby não se importa com o modo de vida da companheira.

A partir daí, parece-me que segue um curso normal, sem baixos mas também sem altos. O primeiro turning point (a violação e o primeiro assassinato) está realmente cruel (em termos de história, não de realização), o suficiente para ficarmos contentes quando ela dispara pela primeira vez. No entanto, para qualquer pessoa que tenha lido a sinopse ou que tenha tido conhecimento do caso verídico, não é nada propriamente inesperado. Assim como não é nada do que se segue: mais mortes, acompanhadas por um primeiro período de sucesso e, depois, um segundo turning point, em que tudo se volta a complicar - o acidente de carro; o desenho dos retratos. Para complementar, há o polícia morto (aliás, nesta parte, caso não fosse verídico, tinha ficado interessante desenvolver um angle com o amigo do pai que a violou aos oito anos, em quem ela se inspira para matar o agente já reformado).

Assistimos, basicamente, ao drama interno de uma mulher, que não consegue evitar que este tome conta da sua relação e arraste o seu primeiro e único amor para a confusão. Sentimos todo o seu passado a empurrar, a espezinhar o seu presente. Sentimos o seu "eu" inocente, pilhado e vandalizado na sua essência, aquando da sua infância, assumir as rédeas do seu "eu" actual - destruído, feio, sujo, desgastado. Sentimos que "o tempo não volta para trás" e, se não o seu corpo, a sua alma já está condenada (ou ao castigo ou à miséria) - veja-se o assassínio do único homem que lhe quis dar banho e comida, para a levar para junto dos "filhos" ("I'm so sorry !").

É um relato verídico mas que contem uma mensagem profunda. Talvez por nos dizer exactamente como é a realidade. É evidente o efeito borboleta que conduz o percurso criminoso de cada serial killer, de cada violador, de cada simples ladrão - as consequências dos problemas familiares, do desemprego, entre outros, como gatilhos da criminalidade. É particularmente interessante num debate que, mais ano menos ano, vai assolar o país, como fez o aborto e o casamento homossexual: a legalização da prostituição - nomeadamente no que toca ao aspecto da dignidade destas mulheres e da segurança que (não) têm. Não me vou alongar nesta discussão, para já.


Toda esta reflexão e intensidade que o filme proporciona devem-se, essencialmente, a uma coisa: Charlize Theron. É ela que faz o filme. Ao lado da caracterização física espectacular (vejam qualquer foto do filme e comparem-na com qualquer foto da actriz em situação "normal". Ou se quiserem outro extremo, comparem com o anúncio da Dior, em que deixa cair as roupas e os diamantes. Usou maquilhagem, dentadura postiça e engordou uns belos quilos, aqui), Charlize faz a interpretação da vida dela, digo eu. Todo o sentimento que o filme transmitiu, todo o ódio, amor, toda a tristeza, todo o rasgo de esperança, cada momento de sede de vingança, cada palpitar de arrependimento, tudo se deveu a cada expressão, a cada olhar, a cada grito da actriz. Deixem-me acrescentar que chegou mesmo a valer-lhe o Oscar de melhor actriz principal.

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