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Saturday, July 2, 2011

Hanna (2011)


I didn't watch Peter Weir's The Way Back last year and so I was waiting for Saoirse since the failed Lovely Bones. Plus the trailer got me the impression of a Wright's typical finesse in building a scenario, this time in a very different genre, and the fact that the script had been written in a school writing program (Seth Lockhead, Vancouver Film School) aroused my curiosity. I had heard some positive reviews (Variety; Roger Ebert) and some very bad ones from my closest circle of colleagues. Well, I tried it and I can't say I am disappointed. I guess I tuned my expectations just fine.


Hanna respects and doesn't ever try to skirt the conventions of a typical American action thriller which obviously gets us talking about its clichés, its well known plot devices and the plain and predictable impersonation and arc of the characters. The girl's incredible skills are deceitfully backed up by the visual rhythm in order to get her performing impossible last second escapes, as for when the trucks blanket past the hole in the desert or when she strikes Blanchett with an arrow out of nowhere. You almost predict the killings when they're about to happen and the whole CIA-whipping-self-past thing takes us to obvious plot points, such as the kidnapping of Sophie's family, the revelation of the truth in a poor dialogged moment or Erik's death. You know, the inciting incident and even the background story are never convincing enough. The characters, whether it's Hanna, Erick or Marissa, they're all archetypes and don't fleet from that. Even if Saoirse Ronan says in an interview that Hanna may not have physical weaknesses but compensates with psychological depth, it is still not as humanly profound as I believe it could be. It doesn't ever surprise you, despite one or two very good moments, like when Grimm is dancing, or the action scenes.

But then Joe Wright grabs this piece with such a sensitiveness and departs from such beautiful but at the same time assassin icy-white scenario, traveling along a very well craftet pace with a fast strong spiky editing, with the amazing The Chemical Brothers soundtrack, constantly building a crazy, childishly dangerous and hallucinating atmosphere, bringing a compensating freshness to the film. Joe actually states he was major influenced by David Lynch.

This is certainly not a great film. But it still made me want to go through it, still made me take a position with the characters and still surprised me with the psychedelic-cold action scenes. And I enjoyed the final foreshadowing punch line.

Thursday, September 2, 2010

Almodóvar, o passado e as memórias: Los Abrazos Rotos (2009)

Fecho este pequeno ciclo de Pedro Almodóvar com o seu mais recente filme e com outros dos temas que lhe são mais caros, o passado e as memórias, presentes em toda a sua filmografia, ora como alicerce fundamental da estória, ora como principal ditador da pujança da mensagem. Anseio por voltar a falar dele, dessa vez com novidade, com o seu "La Piel que Habito", com data de estreia prevista para 2011.



Uma estória de amor e paixão, poder e possessão, desejo e fuga, traição e vingança, é isto que o realizador espanhol filma em Abraços Desfeitos. Uma estória que podia ter sido bonita, que devia ter sido bonita e que, vista e contada a partir do presente, produz, não a nostalgia poética de Tarkovsky, mas uma nostalgia colorida, musical, que não nos torna introspectivos mas que nos obriga a ter compaixão pelas personagens - se chorarmos, nunca será por nós, será sempre por eles, o que não serve para depreciar o filme, primacialmente emotivo, com um final feliz que faz lembrar a magistral montagem de beijos dos últimos segundos de "O Cinema Paraíso".
Uma vez mais, voltamos ao filme dentro do filme, com um argumentista cego que viu a sua vida sentimental e a sua carreira como realizador de cinema arruinadas por um homem que, por querer possuir uma mulher que, pertencendo-lhe apenas através da igreja e em nome de uma antiga gratidão (por lhe ter salvo o pai), não lhe pertencia em coração. Assistimos, assim, numa atmosfera pesada graças aos seus ângulos e à sua iluminação esfaqueante, mas sempre colorida, ao florescer desse amor proibido entre Mateo e Lena e afligimo-nos com o seu desenvolvimento, sob o olhar furtivo, omnipresente e videogravador do produtor Martel, marido ciumento, perseguidor e cruel, numa criação de um suspense e tensão muito bem conseguidas, exactamente como Hitchcock nos ensinou -saber mais do que as personagens, sempre através da imagem. Não escapa à crítica o subplot, já bastante mais melodramático, novelesco até, recuperando os passos já gastos do "filho ilegítmo com pai sempre presente", o que acaba por tirar ao filme um nível que tiveram outros do autor.

Sunday, August 29, 2010

Almodóvar e a complexidade familiar: Tacones Lejanos (1991) e Todo sobre mí madre (1999)


A verdade é que todos os filmes de Almodóvar, ou quase todos, poderiam ser desenvolvidos a partir daqui. Tinha de escolher e, para ser sincero, estou satisfeito.

Em Saltos Altos, penetramos numa interessante "negociação relacional" entre uma mãe e uma filha, definida por uma série de iniciativas ofensivas e defensivas, por parte de uma e outra, de natureza aparentemente egoísta, mas profundamente terna, que quase tornam o pedaço da sua vida a que assistimos numa mesa de reuniões, pautada por cedências e investidas, destinadas a encontrar o amor entre uma e outra. De um lado, está a frustração e solidão de uma mulher que enquanto criança fora abandonada por sua mãe, sem grande arrependimento, ou com superficialidade de sofrimento, depois de lhe ter proporcionado um passaporte para o seu sonho de se tornar uma cantora de sucesso. Do outro, está essa mesma mãe, internamente envergonhada, magoada consigo mesmo, por sentir o que perdeu na sua filha, quando volta ao fim de vários anos. Todos estes sentimentos são ardilosamente escondidos por cada uma delas, perante a outra, e vão-se revelando ao longo de uma película que raspa o thriller, mas em que a própria procura pela solução do homicídio é suplantada pela (re)construção de uma pequena família a dois.
Não sendo uma obra brilhante, vale a pena, e parte da sua beleza deve-se ao intenso uso, mais do que em qualquer outra, da música pop, que é, também ela, parte importantíssima de toda a relação que vamos descobrindo.



Muito diferente é o fenomenal Tudo Sobre a Minha Mãe. Talvez o mais arrojado (temática e cinematograficamente) filme de Almodóvar, embarca-nos nas suas já características descodificações emocionais da mulher, a nível inter e intrasubjectivo, atravessando o universo atmosfericamente escandaloso, e por vezes repugnante, da homossexualidade, da transsexualidade, da droga, das DST, de forma quotidiana, completamente livre de preconceito ou medo perante a crítica mais conservadora. Ora sempre muito colorido, ora mais sombrio e ainda assim vivo, é uma magnífica obra sobre os recônditos do feminino e sobre a igualdade dos Homens, desprezando qualquer argumento institucional para a orientação da sociedade. Um filme que diz muito, muito, sobre os ideais do seu autor.

Saturday, August 21, 2010

Almodóvar e a conjugação física e metafísica entre o masculino e o feminino: Hable Con Ella (2002)

Apesar de ser um grande fã de todo o trabalho e de toda a sensibilidade artística de Almodóvar, considerando-o um dos meus realizadores favoritos, é na sua obra que encontro um particular destaque entre esta obra-prima e as outras, que também o são, como Tudo Sobre a Minha Mãe, Matador ou Má Educação. Fala Com Ela é visualmente mágico, sereno e estimulante, é musicalmente bonito e narrativamente sensibilizante, sincero, intelectual e emocionalmente surpreendente. Poético, lindo. Lindíssimo.

A cena com que se abre aos nossos corações e à nossa mente é de uma beleza e de uma fluidez de sentidos indescritível, anunciando-nos, através da dança, numa coreografia de Pina Baush, toda a estória do filme, que é a estória do Homem numa essência etérea, superior a Adão e a Eva, acima do Éden - duas mulheres, com os seus vestidos oscilantes, quase como fantasmas, vagueiam instáveis por uma sala repleta de cadeiras, num constante vai e vem, cadeiras apenas desviadas por dois homens que surgem no palco. É esta a representação de Benigno e Marco, como moldadores dos caminhos de Alicia e Lydia, uma cooperação eterna, inevitável, enquanto, na plateia, Marco chora emocionado, revelando que os homens também choram e isso já não pode mais diferenciar o sexo masculino do feminino.
É enquanto Alicia e Lydia estão em coma que os dois homens se conhecem, se tornam companheiros de sentimentos e, juntos, aprendem sobre mulheres. Mas esta aprendizagem não é puramente prática, analítica, esquemática. As duas, em coma, estão num estado pouco conhecido por nós, balançam entre a vida e a morte, uma viagem feita por poucos, e flutuam numa condição quase metafísica - é exactamente assim que assistimos à impossibilidade do masculino em viver sem o feminino, perpetuando-se uma cuidadosa guarda de uns em relação aos outros, cada um influenciando o outro (pois a inactividade de Lydia e Alicia também trilham os caminhos de Marco e Benigno, eles prendem-se e elas prendem-nos). Falar com elas, é a solução.

Através de um argumento incrivelmente original, pautado pelo flashback, ficamos a conhecer o surgimento de duas relações de identificação, da sua destruição, das alegrias que comportam e das tragédias a que levaram - a consequência entre a separação entre um homem e uma mulher pode ir desde a desistência melancólica e passível de doloroso arrependimento, à obsessão mais doentia e desumana (Benigno engravida Alicia, em coma).

As mortes que surgem antes do final da película são acompanhadas pelo surgimento de nova vida, criando um ambiente dramático e evidenciador do equilíbrio existente entre os sexos, numa comunhão que nos ultrapassa, sempre ultrapassou e sempre ultrapassará (a cena do filme mudo representa tudo isto de forma magistral). Os homens são iguais aos homens, as mulheres são iguais às mulheres, os homens são mulheres, as mulheres são homens, o homem surge da mulher, a mulher surge do homem. É de uma incontornabilidade assustadora, de onde resulta o amor, o sexo, a reunião, a intimidade, a solidão.

O filme termina como acaba - com dança, música (enfim, beleza, beleza), com Marco a chorar, alguns lugares à frente de Alícia, mãe de um filho sem pai (Benigno havia-se suicidado na prisão, condenado por violação à própria), tudo indicando que, para lá da rodagem, surgiu um novo romance. A tal continuação, o tal equilíbrio.

Friday, August 20, 2010

Almodóvar, a obsessão e a necessidade do auto-conhecimento: Mujeres al borde de un ataque de nervios (1988) e La Mala Educatión (2004)


A obsessão é um dos inafastáveis veículos de condução da essência humana, ao ser todo um conjunto de atitudes potenciais, portanto, que exponenciam outras, mais simples. Trata-se de um espelho dos pontos de vista da emoção e do intelecto humano - de forma mais racional e prospectiva, e aí chame-se-lhe ambição, ou mais descontrolada e alheia, e aí chame-se loucura.

Foi com um pequeno retrato de um conjunto de obsessões que Pedro Almodóvar deu o grando salto para a ribalta, nomeadamente para solo norte-americano, em Mulheres à beira de um ataque de nervos. Longe das suas lutas psicológicas, filosóficas e culturais pelo liberalismo social e sem intenções discurssivas mais profundas, sobre o Homem, que normalmente aborda, conta-nos a estória de um dia na vida de três mulheres que se conhecem e se interligam através de um conjunto de teias ditadas pelos seus homens ou pelo acaso, acabando cada um por levar ao outro. São vários os episódios caricatos e hilariantes que as personagens protagonizam, a um ritmo precisamente nervosinho (close-shot nos sapatos irrequietos), consciente mas à beira do ligeiro histerismo, com diálogos secos, rápidos e cómicos e com uma atmosfera neutra e incrivelmente colorida - um melodrama paródico, um filme engraçadíssimo, um óptimo remédio para a má disposição.


Em Má Educação, identifico uma visão e uma abordagem completamente diferente ao tema, às personagens, à atmosfera, à vida - uma obsessão por respostas, por explicações, ainda que forjadas. O linear desmantela-se em o desestruturado e indeciso (sucessivas analepses), conferindo ao argumento a primeira ponta de dinâmica e criatividade e embrenhando o espectador na efémera e recorrente luz com que a nossa memória nos confere acesso ao passado. A perspectiva singular e directa desmonta-se num aglomerar de influências, desenvolvendo-se aqui toda a genialidade narrativa da película, pois são várias as estórias que assistimos, nós e as personagens, de forma autónoma e separada, como inúmeras caixas sucessivamente dentro umas das outras, abrindo-se à nossa vontade, fazendo-nos duvidar da sua continuidade e questionar sobre o seu papel.
É assim a única forma de compreender o caminho por onde viemos, as etapas que ultrapassamos, os obstáculos que enfrentámos, aquilo que nos deram, aquilo que nos tiraram, aquilo que perdemos, conquistámos ou roubámos. É assim a tentativa que é feita por Almodóvar para se fique, nós a conhecer e as personagens a recordar, aquilo que foi um caminho tumultuoso pela infância, pela adolescência, pela árvore em que se tornou uma má educação, pelo controverso de que se parte e que daí surge (o abuso sexual, a transsexualidade, as drogas), pelas estranhas conexões que podem surgir entre o Homem, que caricaturam o próprio acaso e fazem dele estúpido (do acaso). Uma busca por uma identidade própria (com literais trocas de identidade, ao longo do filme), uma necessidade de auto-conhecimento.
Esteticamente irrepreensível, com uma fotografia serena e emotiva (as cenas da ingenuidade infantil, das brincadeiras, em câmara lenta, acompanhadas pelo canto agudo da criança; a cena escura e azul, assustadora, na casa de banho, com um close-shot nos pés das crianças, escondidas atrás da porta, aumentando a tensão que culmina na imponente imagem do padre, quando a consegue abrir).
Um dos meus favoritos.

Wednesday, August 18, 2010

Almodóvar e a sátira religiosa: Entre Tinieblas (1983)

É com um dos tematicamente mais controversos filmes da sua carreira e com uma certa dose de non-sense que Almodóvar faz uma arrojada e seca crítica à religião, um risco que custou a aceitação do filme no Festival de Cannes. Negros Hábitos retrata uma série de episódios na vida de uma peculiar congregação de freiras, que vivem num mosteiro quase de recurso, que se vestem de preto e que se guiam na vida pela direcção e em nome do pecado, ou não tivesse Jesus Cristo sido morto para nos redimir dos mesmos - na verdade, o nome das suas vestes, que empresta palavras ao título, é religiosamente transposto para acções, diálogos, filosofias e atitudes.
Em contraste com a rigorosa relação entre o preto e o branco, aqui irmãos da ordem, do compromisso e da humildade (uma vida de despojos), reflectem, cantam e exaltam-se sempre toda uma panóplia das mais emocionantes e despertadoras cores em volta das personagens, estabelecendo o feixe da direcção irónica que a película leva, bastião da "balda", do desleixo e do divertimento quase inconsequente - e se leva o moderador de adjectivo é porque a hipocrisia da madre superiora assim o exige. A droga, a criação de um animal selvagem, a protecção de uma prostituta criminosa intimamente ligada às próprias freiras, a extorsão de dinheiro, o passado marcado pelo assassínio ou o presente pautado pela homossexualidade, e a redacção de contos eróticos são o verdadeiro e leviano dia a dia destas mulheres de Deus, que não deixam de se prezar a um ridículo e falhado esforço de cobertura, de onde a mentira, a forja, a corrupção e o interesse pessoal emergem como triunfo e pseudo-exemplo. Não é dos meus favoritos, mas, ainda assim, consegui aprecia-lo.

Pedro Almodóvar - Obras e Tenas


Este post existe apenas como "estrutura" de ligação de vários artigos especificamente dedicados à obra de Pedro Almodóvar e a alguns dos seus temas mais caros.

(carregar nos links)

Almodóvar e o amor e a paixão na morte: Matador (1986), Carne Trémula (1997) e Vovler (2006)

Almodóvar e a sátira religiosa: Entre Tinieblas (1983)

Almodóvar, a obsessão e a necessidade do auto-conhecimento: Mujeres al borde de un ataque de nervios (1998) e La Mala Educatión (2004)


Almodóvar e a conjugação física e metafísica entre o masculino e o feminino: Hable Con Ella (2002)


Almodóvar e a complexidade familiar: Tacones Lejanos (1991) e Todo sobre mi madre (1999)

Almodóvar, o passado e as memórias: Los Abrazos Rotos (2009)

Tuesday, August 17, 2010

Almodóvar e o amor e a paixão na morte: Matador (1986), Carne Trémula (1997) e Volver (2006)

A morte não existe, por si própria. A morte não é, não o pode ser, por não passar de um nada que é a negação de um tudo. No máximo, a morte está. Não no corpo inerte que olhamos com pesar, mas sim nas memórias, nas acções e nas feições dos que vivem. É por isso mesmo que, quer queiramos, quer não, a morte é uma coisa da vida. Mais, a morte é uma coisa dos vivos. A morte está onde brota o amor, onde discorre a saudade, onde aflige a necessidade, onde refulge o ódio ou onde palpita a vingança.


É assim que, em Matador, Pedro Almodóvar nos conta uma estória incrivelmente familiar sobre fazer a morte, num retrato ritualístico. Uma familiaridade que não significa conhecimento, costume, que não significa que estejamos habituados à sua estória (algo impossível, nos complexos meandros dos argumentos do autor), mas que remete para uma caracterização quente, próxima e realista de várias personagens, das suas relações, vivências e locais, na Espanha dos anos 80. Na base de tudo isto, para além das magníficas e tão bem orquestradas cores e músicas, está uma câmara silenciosa e intimista, e o motivo mais cultural possível: a tourada. A emaranhada teia que vai ligar as personagens principais é feita por via das mais rotineiras emoções, como o orgulho, a admiração, a lealdade, a culpa ou a paixão, mas que se suplantam todas elas, como acabamos por perceber, em algo único: o desejo. Nesta película, o desejo é retratado de forma tão intensa como negra, não só fazendo referência à morte, como sendo parte da mesma, enquanto está na mente e no corpo do Homem. No final, o sexo, o incontrolável impulso da carne, consagram esse mesmo estado de vida: a morte (excelente fotografia da cena dos amantes ensanguentados, que merecerá análise na rubrica "A Análise da Cena").



Carne Trémula, até agora o único filme do realizador espanhol cujo argumento é uma adaptação, também se desvia, tal como Matador, do tom paródico e cáustico da maior parte da sua filmografia, mas não chega a ser tão soturno como a obra acima analisada. Num jeito próximo do thriller, é, no entanto, tão complexo como os restantes, sempre evidenciando o inafastável poder e influência de cada relação humana na vida de cada um (os primeiros minutos, com a estreia de Penélope com o director, são fenomenais, grande direcção e interpretação). São seis as personagens que se ligam entre si através da amizade, do amor, do ódio, da vingança ou, com mais força, do passado e da sorte, ou azar, dependendo do ponto de vista. Cada pequeno pormenor nos lembra que o homem é puro desejo, pura necessidade e por isso é-nos impossível definir posições quanto às personagens - queremos o bem e o mal a todos (o remorso e o ódio chegam a culminar numa ferverosa e longa noite de sexo, que no final se traduz na mais genuína sinceridade, quando a mulher conta ao marido que passou a noite inteira com o homem que o havia paralisado, supostamente, anos antes). Tudo parece acabar em adormecimento, sangue e distância. No entanto, à cena inicial de aflição, pressa e desenrasque, numa Espanha franquista, opõe-se a cena final, de felicidade, calma e redenção, numa Espanha democrática. Viver, morrer, é sempre ter esperança.



Termino o tema da morte com uma obra que considero subvalorizada na blogosfera, Voltar, e cito o autor, " (...) é precisamente sobre a morte (...)". O registo é completamente diferente de Matador e Carne Trémula, e a evidência surge logo nos primeiros minutos de película, com uma extraordinária e animadíssima cena (actores, música e cores) num funeral, em pleno ritual de cuidar do cemitério e das campas - uma peculiar forma de lidar com a situação, que é resultado de fragmentos autobiográficos do autor, em relação às convicções religiosas da sua zona de La Mancha. A partir daqui viajamos por um extraordinário argumento (muito premiado), em que oscilamos entre a completa paródia e o drama lacrimejante, passando por pontos em que não há outra hipótese se não equilibramo-nos entre um e outro e resolver cair para o lado para o qual a nossa personalidade nos empurrar. Como pano de fundo, estão sempre os vivos, ainda que se fale de mortos, porque já o foram antes, porque o foram primeiro, de onde os sucessivos "vai e vem" entre o passado e o presente, através de uma mãe que devia estar morta, mas, da forma mais irónica e indiferente possível, não está e de uma estória familiar de paixão e fim da vida muito mal contadas. Um marido e pai de família, bêbedo, preguiçoso e predador sexual que acaba assassinado pela filha, que é encoberta pela mãe (magistral performance de Penélope, neste filme), uma amiga com cancro. É também ele um hino à força da mulher, como tantos outros que Almodóvar canta ao feminino.
Vejo aqui uma obra divertida, de certa profundidade (qual é a maneira certa de encarar a morte ? Veja-se a ironia de ter um corpo numa arca frigorífica e dar festas no mesmo local) e extremamente empolgante e envolvente. Não é o melhor de Almodóvar, mas não consegue ser menos do que bastante bom.

Wednesday, July 28, 2010

Fellini e a exuberante sátira social: La Dolce Vita (1960) e Satyricon (1969)

Nunca deixam a sátira social ou o retrato autobiográfico de fazer parte das obras de Federico Fellini e foi por isso que, no início desta curta incursão pelo realizador italiano, referi que não seria completamente coerente uma divisão da sua filmografia como a que estava prestes a fazer. Escolhi estas duas obras em especial para tratar a crítica do autor à mundivivência humana pela sua particular beleza visual, pela exuberância das suas mis-en-scene pelo seu flutuar entre a realidade e a fantasia do sonho, pela sua sublimidade da dormência (A Doce Vida) e do conto de fadas (Satyricon). Em ambos: a devassidão do humanismo, a decadência moral.

A Doce Vida é o meu filme favorito do autor, um dos que mais me marcou. Um retrato directo mas subtil, simples mas profundo, realista mas esteticamente belíssimo e fantasioso, da sociedade da altura que, no fundo, é ainda a sociedade em que hoje vivemos - a sociedade contemporânea. Através de uma rápida e por vezes confusa sucessão de dias e noites, acompanhamos Marcello, um homem normal, demasiado normal, algo que faz dele um deambulante terreno e espiritual, deliberadamente procurando por um sentido a dar à sua vida em cada gesto, cada expressão, cada acção, cada conversa, cada nova relação. Não se lhe aponte o dedo por suposto egoísmo com que parece carregar melancolia e aflição da inexistência de propósito para a vida, já que é assim que deixa de ser ele próprio para reencarnar toda a humanidade - não sabemos de onde vimos, nem para onde vamos, nem o que é o universo ou coisa que o valha.
Para escapar a esta aterradora visão do mundo, a este gélido e metálico tubo por onde discorrem os anos que nos levam a navegar pelos mares da vida, Marcello junta-se à classe alta, enverga as suas vestes, segue os seus propósitos, alimenta-se das suas ideias e ambições, divaga pelo seu mundo, tudo sob a capa do jornalismo e da reportagem, acabando por imergir completamente num mundo que, não sendo o seu, como não o era do primeiro Homem, dele não pode sair, como lá estão presos os últimos Homens, que até agora somos nós. E que mundo é esse, pergunta-se. Um mundo decadente, não imoral, porque para isso teria de perdurar o sentido de Dever, mas sim amoral, de uma superficialidade assustadora, cuja reflexão se reduz à luz e ao brilhante dos colares e das pulseiras reluzentes.
Encantadoras vestes, ofuscantes cenários e intensas correrias marcam a pintura e o ritmo do filme, das festas, da futilidade e da devassa da vida privada, da forja dos milagres pela igreja, sob protecção da capa da incapacidade crítica de uma população mecânica. Faiscantes relações, em intensidade e duração, ou não ficássemos nós tão confusos como Marcello, debatendo-se com a sua mulher, algumas prostitutas e com a sua única salvação, a inocente e pura (a única, no filme) Sylvia, com a qual protagoniza a magistral e eterna cena da Fonte de Trevi, mas que acaba por se revelar submissa a um marido autoritário. Nem a família, a riqueza e a poesia nos podem salvar, ou não fosse aquele que as sustentava todas suicidar-se, para desgosto do nosso personagem, que não só o desejava, como o idolatrava.
Na orgia final culmina todo este sentimento e esta mentalidade em que vivemos - o prazer rápido e eficaz, industrial, a luxúria pouco exigente, a bebedeira do intelecto e da existência. Contra isto, apenas surge uma tentativa de troca de palavras com uma pequena rapariga, eventualmente o segundo raio de pureza que surge no filme, tentativa essa que se dilui e espalha pelas emaranhadas redes da já sedimentada incomunicabilidade do homem.

Satyricon, baseado num dos únicos romances conhecidos e recuperados da época do domínio romano, escrito por Gaio Petrónio, é uma uma sátira social e política que se constrói e vai erguendo por meio de degraus ora cómicos, boémios e divertidos, ora tristes, profundos e alarmantes.
Sucedem-se episódios aparentemente descontextualizados, sem uma linha de continuidade, a não ser o pano comum da luta de Encolpius e Ascyltos, dois jovens esbeltos, pelo amor de Giton, um pré-adolescente suave e delicado. O desejo sexual nunca é escondido e acaba depois por fluir para relações com terceiros e entre todos eles, mas o seu retrato, como todo e qualquer retrato ou referência nesta obra, nunca é explícito, cru ou minimamente relevante. Desta vez, a câmara de Fellini preocupa-se não apenas com a imagem mas também com a ideia do sentimento e da emoção. Por entre épicas peripécias e eventos mais ou menos bizarros, inspiração meramente histórica ou fantasiosamente mitológica (a Hermafrodita ou o Minotauro), esbate-se o contraste entre o Deus e o Homem - onde chegou a humanidade, que desafia o Olimpo, sem que a cólera de Júpiter sequer se revele ? Já estarão cansados de nós ? - e acentua-se o contraste entre os Homens - a eterna luta de classes, os banquetes dos ricos na presença dos pobres, a escravatura.
Depois do combate, da loucura, da cáustica luxúria, da bravura, do sucesso e do falhanço, depois da vida e da morte, chega a altura de Encolpius, e nós com ele, partimos para outra Terra, lá longe, que, por não a conhecermos, não nos aquece o intelecto mas nos gatilha a esperança.

Saturday, July 17, 2010

Federico Fellini: temas e obras

Este post existe apenas como "estrutura" de ligação de vários artigos especificamente dedicados à obra de Federico Fellini e a alguns dos seus temas mais caros.

(clicar nos links)

Fellini e a estrada da Vida: La Strada (1954) e Le Notti di Cabiria (1957)

Fellini, a representação autobiográfica e o sonho: I Vitelloni (1953), Otto e Mezzo (1963) e Amarcord (1973)

Fellini e a exuberante sátira social: La Dolce Vita (1960) e Satyricon (1969)

Fellini e a estrada da Vida: La Strada (1954) e Le Notte di Cabiria (1957)

A Estrada da Vida, que dá nome a este artigo e cuja dimensão percorre o pautado desenvolver destas duas estórias, e a As Noites de Cabíria são duas serenas e magníficas obras de transição entre o cinema neorealista de Rossellini, De Sica e Visconti e o sonho, a fantasia e a questionabilidade do real de Fellini e Antonioni (voltarei, noutro artigo, a Os Inúteis). Partindo de uma marcada análise às dificuldades vividas em Itália, no pós II Guerra Mundial, o director concede-nos, nestes dois filmes, um bilhete de embarque em melódicas e visualmente deliciosas jornadas pela simplicidade com que os mais primitivos sentimentos nos conduzem pelo caminho terreno a que estamos destinados, ou simplesmente dispostos a fazer - do amor altruísta e puro ao interesse egoísta e manchado, da esperança ao desespero, da expectativa à frustração, da ingenuidade com que começamos este percurso e da dureza e cepticismo com que temos de o enfrentar. Da vida à morte.



Na primeira das películas, seguimos a viagem da inocente e ingénua Gelsomina, vendida pela sua mãe, por 10.000 liras, a um deambulante, reservado, autoritário e reles artista de circo - Zampano. Sem escolha, ofuscada pelas prometidas maravilhas de uma vida de cidade em cidade, ansiosa por aplausos que preenchessem e aquecessem o coração, deslumbrada pela ideia de se sentir capaz, útil e talentosa, acaba por se apaixonar pelo patrão, caindo na realidade e submetendo-se a uma vida mediana, melancólica e submissa. Dorme ao relento, não é respeitada, não é livre. Não é amada.
A certa altura, depois de tentar fugir, assistimos a uma inesperada compaixão, delicadeza e preocupação de Zampano, quando abandona, percebemos aí, "a sua amada", para o seu bem, deixando-lhe algum dinheiro. A última cena é belíssima e agridoce. Numa praia deserta, escura e húmida, percebemos que toda a relação entre os dois, uma dicotomia entre a paixão e a indiferença, foi toda ela uma mentira - Zampano também amava Gelsomina, agora morta. E por isso sofre, e nós sofremos com ele, como se nos deixássemos cair num poço vazio e escuro que mais não é do que a morte, uma demarcação entre o que foi e o que poderia ter sido.
Visualmente brilhante - límpido, polido, equilibrado entre o luminoso e a sombra escura - e melodicamente sincero e emotivo (em duas palavras, "Nino Rota").

Em As Noites de Cabíria, com mais uma fantástica interpretação chapliniana de Giulieta Massina, enveredamos em mais uma busca pelo amor, pelo carinho, pela relação com o outro e, assim, pelo significado da vida, num constante alternar entre a alegria e a tristeza. Cabíria é uma prostituta de rua, que vive num bairro pobre juntamente com as suas colegas de profissão e que faz renascer a ingenuidade e inocência de Gelsomina. Achincalhada pelo seu optimismo e pela sua constante luta por uma vida melhor, vê-se abandonada por homem mediano que só queria o seu dinheiro e por um actor famoso que nela não via mais do que um capricho de que nunca se chega a servir.
Depois de uma maravilhosa cena de hipnotismo, em que quase viajamos até ao mundo com que a personagem sonha, Cabíria parece encontrar o seu verdadeiro amor. A estória volta a repetir-se e o filme termina quase como começa - a nossa personagem está à beira da água e o seu companheiro mais não quer do que o seu dinheiro.
Uma obra em que a luz acompanha a esperança de um coração, em que a sombra e os cinzentos, ou o mero escurecer, orientam a inevitabilidade do esconderijo, da resignação e da tristeza e em que a música nunca nos deixa voltar ao mundo real, do princípio ao fim.