Não deverá ser surpresa a escolha do nosso primeiro Presidente da República eleito no pós-25 de Abril, ou não fosse António Ramalho Eanes militar (General) e não fosse O Resgate do Soldado Ryan um dos maiores filmes de guerra que temos connosco. Baseado na estória verídica dos irmãos Niland, é com vigorosa emoção e com sonhador e empenhado realismo (os próprios actores estiveram algum tempo no exército, como recrutas - experiência que garantem não querer voltar a repetir) que Steven Spielberg pinta o cenário dos últimos dias da II Guerra Mundial, contando a jornada de oito homens destacados para salvar apenas um: James Francis Ryan.
Os primeiros trinta minutos de filme são de uma mestria louvável. As dezenas de homens, que o director faz parecerem centenas, emergem de um silêncio perturbador para uma confusão de correrias, movimentações e estratégias, dando origem a um caos absoluto, nem sequer regular mas sim arritmicamente acelerado (onde nos é introduzida uma câmara tremida que nos acompanha o resto do filme e que muito contribui para o nosso envolvimento no mesmo). O plano inunda-se não só de um mar tormentoso e sufocante (com uma câmara que cessa tudo à sua volta, menos a imagem, quando submerge - pormenor belíssimo) mas também de gritos de morte ou de ordem, tiros de todos os lados, bombas e embates - o barulho exuberante e insuportável, a que se vai aliar uma música que quase nunca aparece (excepção feita para a nostálgica e pseudo-pacífica sequência em que os soldados ouvem Edite Piaf).
O céu carregado, a terra e a poeira, a chuva torrencial, e as vestes que envergam os soldados, as cores que os cobrem, escuras, com cinzentos que ameaçam rasgar-nos o coração, introduzem o tom cruel e desolador da guerra, injectado por entre imaginárias paredes metálicas e gélidas, compostas pelo armamento que os destrói, sustenta ou motiva.
No meio de tudo isto, apenas duas cores conseguem sobressair: o vermelho e o laranja. É o sangue que jorra dos buracos dos corpos, que se fixa em salpicos nas caras dos sobreviventes, que flui pelo outrora límpido areal, que tinge a água do mar de um vermelho agoniante, qual última ceia. É o fogo que queima a carne, o metal e o espírito, em nome da chama não só de uma nação mas também do Mundo.
São os dois tons que marcam o filme. Se pelo primeiro se narra o início da histórica vitória dos Aliados, pelo segundo narra-se uma epopeia de coragem, sacrifício, irmandade e dignidade - "Não percebo esta matemática, em que sacrificamos oito homens para salvar um.". Uma epopeia de motivações e limites do Homem - Upham, que se recusa a disparar sobre quem quer que seja, consegue salvar um soldados alemão da morte, libertando-o, o que nos deixa a interrogação "será que todos os soldados nazis defendiam uma causa ?". No final, acaba por premir o gatilho, assassinando quase à queima-roupa esse mesmo soldado, que se voltara a juntar aos compatriotas nazis, o que só nos complica o dilema da enunciada pergunta.
Uma obra épica que conjuga tudo aquilo que me agrada ver no cinema: uma mensagem profunda, ou não fosse este um sincero agradecimento à memória de toda uma geração a que se exigiu a democracia em que hoje vivemos e uma estória absolutamente contagiante, emotiva (o pathos) e narrativamente fantástica.
"I have here a very old letter, written to a Mrs. Bixby in Boston. "Dear Madam: I have been shown in the files of the War Department a statement of the Adjutant-General of Massachusetts that you are the mother of five sons who have died gloriously on the field of battle. I feel how weak and fruitless must be any words of mine which should attempt to beguile you from the grief of a loss so overwhelming. But I cannot refrain from tendering to you the consolation that may be found in the thanks of the Republic they died to save. I pray that our heavenly Father may assuage the anguish of your bereavement, and leave you only the cherished memory of the loved and lost, and the solemn pride that must be yours to have laid so costly a sacrifice upon the altar of freedom. Yours very sincerely and respectfully, Abraham Lincoln."
Avanço que terminarei a rubrica "Filmes dos Presidentes" com um último artigo, será "o meu filme", um dos meus favoritos.
Esse é um filme muito admirável, mas muito mesmo, e realmente tem uma força moral que anda de mão dadas com sua potência sensorial.
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