Showing posts with label Cinema Iraniano. Show all posts
Showing posts with label Cinema Iraniano. Show all posts

Monday, November 8, 2010

EFF'10: Copie Conforme (2010) & Masterclass: Abbas Kiarostami

No estrangeiro, com homens e mulheres estrangeiras, através de línguas estrangeiras, eis que nos chega um Kiarostami a princípio completamente desconhecido. Desbota o castanho da terra e da pobreza iraniana e surgem os sóbrios tons da Itália rural; caem os actores amadores e caracterizadores de um povo e surgem dois gigantes profissionais da interpretação; desvanece o sibilar farsi e ergue-se o dialecto europeu - francês, italiano e inglês. Do Oriente em recurso para o Ocidente arranjado.

Mas era tudo isto que o realizador iraniano queria e tudo isso confessou na masterclass que se seguiu ao visionamento desta magnífica obra - deixa de parecer outro: voltamos a encontrar-nos com ele durante cem minutos de profunda análise do comportamento humano e da vida e é aí que nos vai falando sobre tanta coisa que nos une enquanto Homens, que faz da nossa Humanidade algo superior à nossa tradição ou nação, que nos liga através de elos mais profundos do que a herança cultural que vamos acoplando e desenvolvendo.

Copie Conforme prima, pois, por um argumento magistral. Simplicíssimo no seu conteúdo efémero e directo mas inalcançável na sua multiplicidade e profundidade de reflexões. A cópia que cada um de nós constitui, a partir das mais diversas influências, será tão definitiva como o seu ponto de partida ? Todos nós somos conjugações de pedaços de tudo. Até que ponto é a nossa autenticidade condicionada pelas nossas raízes (culturais, políticas, interpreto eu), e não tão somente pela nossa humilde condição de partilha de espírito e sentimento humano ?

Mas, no fundo, não conseguimos nunca fugir à nossa condição de cópia, ao nosso eterno destino mimético e é também isso que faz de nós parte em cada outro. A relação que nos trazem William Shimell e Juliette Binoche (provavelmente o seu melhor papel de sempre, que, a meu ver, a afirma claramente como uma das melhores actrizes de todos os tempos) é a relação entre um homem e uma mulher desconhecidos que encarnam, consciente ou inconscientemente, a representação de todos os problemas de um casal contemporâneo, mas que transbordam muito para além do conteúdo do acordo nupcial - são as preocupações existenciais da nossa sociedade - a atenção para com o outro, a solidão, a incomunicabilidade, a mecanização da actividade laboral, a frieza do sentimento.

E quem seria o génio capaz de nos transmitir (digo eu, que esta foi meramente a minha interpretação) tudo isto através do constante recurso ao humor ? Um humor refinado, inteligente, ponderado, delicioso.

A masterclass foi, também ela, uma fantástica experiência. Abbas Kiarostami é um verdadeiro mestre da arte do cinema e da arte da vida. Aos 70 anos, é tanta a experiência que tem para nos revelar e foi com tremenda e avassaladora humanidade que respondeu a uma hora e meia de questões, mais ou menos filosóficas, mais ou menos metafísicas, mais ou menos sociológicas, sempre com palavras certas para tudo, sempre com um discurso ponderado e sapiente, que apenas serviu para cimentar a minha admiração pelo seu magistério.

No final, é com orgulho de uma criança com um autógrafo do jogador de futebol que mostro isto:

Sunday, May 30, 2010

The Circle / O Círculo (2000)

Já por mais do que uma vez falei aqui em Jafar Panahi, cineasta iraniano preso por alegadas ilicitudes, argumento que apenas serve para disfarçar motivos políticos, em mais um atentado aos Direitos do Homem nos países islâmicos. Já depois de ter iniciado uma greve de fome, várias personalidades do mundo do cinema conseguiram a libertação do realizador, que ainda assim teve de pagar uma multa avultada.

É indiscutível a enorme influência socio-psicológica que o cinema tem e sempre teve na sociedade - é um veículo movimentador de massas. Porém, é com o alastrar da filosofia neo-realista que as luzes se começam a focar em problemas sociais, económicos e políticos de forma crua, realista, com um tom documentarista. A gritar "Intervenção!". É precisamente desta corrente que emerge Panahi, com uma filmografia dedicada à defesa dos Direitos Humanos, com particular intensidade no que toca aos direitos das mulheres, e é exactamente isso que deixa os dirigentes iranianos receosos.

The Circle, muito premiado em vários festivais de cinema (cinco prémios em Veneza), assim como muitas das outras obras do director, é o primeiro que aqui vos trago. Conta a estória de quatro mulheres e a forma como lhes são negadas certas liberdades e certos direitos que, por serem tão básicos e tão óbvios na sociedade ocidental, quase não merecem sequer lugar no nosso pensamento.

A cena inicial é curta mas esclarecedora. Solmaz (Solmaz Panahi) (nunca a chegamos a ver) é uma rapariga que acabou de dar à luz uma menina, quando o ultrassom havia revelado que seria um menino e quando toda a família do noivo exigia um menino. A consequência será o divórcio e o desrespeito.
Segue-se a jornada de Nargess (Nargess Mamizadeh) e Arezou (Maryiam Palvin Almani) que, acabadas de sair da prisão, tentam arranjar dinheiro para comprar um bilhete de autocarro para fugirem daquela cidade e voltarem às origens da segunda, o que seria o começo de uma nova vida. Esta é presa por tentar vender um colar, exactamente para arranjar dinheiro, mas Nargess, ainda que a muito custo (não tinha identificação para provar que era estudante, podendo assim viajar sozinha, nem ia acompanhada de um homem), compra um bilhete. Infelizmente, não chega a embarcar na viagem, com medo da polícia que revistava as bagagens (podia ter de voltar para a prisão).
Falhados os seus intentos, Nargess vai procurar Patri (Fereshte Sadre Orafaiy), também acabada de sair da prisão. Não chega a conseguir falar com a amiga, já que esta se vê forçada a fugir de casa quando os irmãos, dois "brutamontes", chegam para "falar" com ela. Patri vai ter com Ellah (Ellah Saboktakin), enfermeira e igualmente ex-condenada, implorando-lhe que o seu marido, médico, a ajude com um aborto que não pode fazer, por não ter a autorização de nenhum homem (pai ou marido). Sem sucesso, acaba a deambular pelas ruas, sem poder ir para um hotel por não ter identificação, deparando-se com uma mãe que abandona uma criança, esperando que alguém a adopte e lhe garanta uma vida melhor e uma prostituta que vê ser presa.

Pelo meio, assistimos a inacreditáveis obrigações das mulheres, como a de terem de se cobrir com um manto para entrar em certos sítios.

A cena final é de uma mestria incalculável. As várias mulheres que ficámos a conhecer estão na prisão e alguém telefona a perguntar por uma tal de Shomalz (da cena inicial). No final de contas, estamos presos num círculo vicioso de onde não parece haver maneira de sair - uma constante violação à dignidade humana das mulheres que parecem condenadas à opressão.

É um filme alarmante. Os diálogos são poucos, o que alio às expressões constantemente assustadas e tristes das mulheres (grandes interpretações) para concluir que há uma intenção nisso mesmo - o retrato da falta de liberdade de expressão. Todas as falas são particularmente incisivas, como se não devessem mesmo dizer mais do que o essencial. O argumento é bastante simples, no final de tudo, e julgo que consegue abranger uma série de pequenos aspectos que nos deixam com um nó na garganta que nos vai fazer reflectir. Notem que não se trata de tortura, de sangue, de violência - estamos a falar de pequenas coisas, como o direito de passear livremente, e é exactamente daqui que parte o problema. Além disso, a imagem está bastante realista, balançando entre a ficção e o documentário, pelo que cumpre na perfeição o seu objectivo de ser um retrato da crua realidade.

Thursday, May 27, 2010

Jafar Panahi libertado


Jafar Panahi, um dos maiores cineastas da nova vaga iraniana, foi hoje libertado ao fim de 3 meses de prisão. Depois de, durante as eleições legislativas, ter manifestado a sua oposição a Ahmadinejad, e já com os seus filmes proibidos no país, acabou por ser detido, por alegados "delitos". É mais do que óbvio que as motivações foram tudo menos jurídicas; antes políticas e artísticas. Para a sua libertação terão contribuído vários artistas de renome internacional, tais como Steven Spielberg, Martin Scorcese, Robert De Niro, Kiarostami e Juliette Binoche (estes dois últimos, ainda em Cannes, festival a que Panahi iria atender como membro do júri).

Uma excelente notícia.