Friday, May 21, 2010

Alice (2005)

Agora que julgo estar perto de poder ir ver "Como Desenhar Um Círculo Perfeito", de Marco Martins, parece-me bem fazer uma pequena viagem ao seu outro muito reconhecido trabalho - nacional e internacionalmente.

Alice, a filha de Mário (Nuno Lopes), desapareceu há quase 200 dias e o desespero e a quase-depressão dos pais assombram-nos todos os dias da sua vida. Mário, ao contrário da polícia, não descansa: todos os dias se levanta exactamente à mesma hora que no dia em que Alice desapareceu, come exactamente a mesma coisa, faz exactamente o mesmo percurso, vê exactamente as mesmas pessoas, faz exactamente as mesmas coisas (o simbolismo do cão de papel, que compra todos os dias a um mendigo, sendo a mesa cheia deles um dramático símbolo da inevitável passagem do tempo).

Por toda a cidade de Lisboa, em casa de vários conhecidos, monta câmaras de filmar, cujas cassetes muda todos os dias, para à noite assistir à movimentação de todos aqueles sítios, não vá a sua filha passar pelo perscrutador olho das objectivas. Toda esta premissa é muito interessante e para isso vêm a contribuir 1) os dois actores principais, Nuno Lopes e Beatriz Batarda (a mãe, Luísa), com interpretações de grande nível; 2) uma narrativa construída essencialmente em expressões faciais e corporais, em reacções, em imagens, em pormenores, em cores (o filme é, todo ele, em tons de azul, preto, cinzento e branco, o que reforça a ideia da tristeza e solidão) - muito intuitivo, muito visual.

É suposto ser uma estória triste, um retrato de solidão, de loucura, de desespero. Consegue, perfeitamente. O grande buraco no argumento poderia ser a questão que acho inevitável colocar quando percebemos as intenções de Mário: "porque raio é que a miúda haveria de estar em Lisboa ?". No entanto, interpreto isso como sendo nada mais do que um sinal dessa loucura e obsessão de que trata o filme.

O final deixa-nos uma mensagem que nos cai como uma bomba na consciência. Parece mesmo que, naqueles segundos finais, Mário passa pela filha na rua, sem se aperceber. E naquela multidão de gente, com que começa e acaba o filme (e que tantas vezes surge, como as filmagens no metro), ao longo de quase um ano, quantas outras vezes terá Alice passado despercebida nas suas barbas ?

Incrivelmente introspectivo.

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