Wednesday, August 18, 2010

Almodóvar e a sátira religiosa: Entre Tinieblas (1983)

É com um dos tematicamente mais controversos filmes da sua carreira e com uma certa dose de non-sense que Almodóvar faz uma arrojada e seca crítica à religião, um risco que custou a aceitação do filme no Festival de Cannes. Negros Hábitos retrata uma série de episódios na vida de uma peculiar congregação de freiras, que vivem num mosteiro quase de recurso, que se vestem de preto e que se guiam na vida pela direcção e em nome do pecado, ou não tivesse Jesus Cristo sido morto para nos redimir dos mesmos - na verdade, o nome das suas vestes, que empresta palavras ao título, é religiosamente transposto para acções, diálogos, filosofias e atitudes.
Em contraste com a rigorosa relação entre o preto e o branco, aqui irmãos da ordem, do compromisso e da humildade (uma vida de despojos), reflectem, cantam e exaltam-se sempre toda uma panóplia das mais emocionantes e despertadoras cores em volta das personagens, estabelecendo o feixe da direcção irónica que a película leva, bastião da "balda", do desleixo e do divertimento quase inconsequente - e se leva o moderador de adjectivo é porque a hipocrisia da madre superiora assim o exige. A droga, a criação de um animal selvagem, a protecção de uma prostituta criminosa intimamente ligada às próprias freiras, a extorsão de dinheiro, o passado marcado pelo assassínio ou o presente pautado pela homossexualidade, e a redacção de contos eróticos são o verdadeiro e leviano dia a dia destas mulheres de Deus, que não deixam de se prezar a um ridículo e falhado esforço de cobertura, de onde a mentira, a forja, a corrupção e o interesse pessoal emergem como triunfo e pseudo-exemplo. Não é dos meus favoritos, mas, ainda assim, consegui aprecia-lo.

5 comments:

  1. O filme fala de facto disso tudo que referes, mas enquanto arte é um produto fraco. De todos os que conheço de Almodóvar, é o pior.

    Cumps.
    Roberto Simões
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  2. Também é o que gosto menos, mas achei por bem falar dele por ser uma crítica mesmo expressa.

    Abraço.

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  3. Não gostei mesmo nada. É engraçadinho.

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  4. Na parte da complexidade, eu adicionaria o "Que ye hecho yo para merecer esto?"

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  5. Dora, acabarei por falar de todos eles, embora nesta rubrica não o faça, à semelhança do que se passou com Fellini. De qualquer forma, tens razão. No fundo, é sempre demasiado rígidio e pouco correcto dividir a obra de um autor desta forma, já que todos os filmes têm um pouco de tudo (por exemplo, eu podia arranjar um artigo sobre o tema LGBT e falar de dois filmes, quando sabemos que são inúmeros aqueles em que PA trata isso).

    Obrigado pela visita :D

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