Saturday, May 15, 2010

Kick Ass (2010)

"Kick Ass", que estreou em Portugal a 22 de Abril, é o mais recente projecto de Matthew Vaughn (na direcção, guião e produção), Jane Goldman (no guião e produção) e tantos outros, mais ou menos conhecidos (como Brad Pitt, na produção).

As críticas, em geral, não são animadoras:

- é impossível gostar disto se não formos fãs da banda desenhada [em que se baseia o filme], nomeadamente porque não percebemos muitas das piadas;

- é um filme pretensioso que, ao auto-intitular-se como 'realista', rapidamente se torna numa 'fantasia' ;

- é de um irrealismo quase ridículo a partir do momento da entrada em cena da Hit Girl;

- a voice off com piadas irritantes.

Não podia discordar mais.

"With no power comes no responsibility. Except that wasn't true." - É esta a estória do filme.

A primeiríssima cena do filme está muito engraçada. A meu ver, lança logo um aviso quanto à forma, ou quanto a uma das formas, com que temos de encarar os 120 minutos que se seguem: sempre com a noção de que é suposto sentir-se um certo rasgo de comicidade, reconhecer um certo tom jocoso em cada cena. Trata-se de um sujeito, com um fato de super-herói e umas asas, a cair a pique de um arranha céus, qual Ícaro, perante uma multidão extasiada e a aplaudir, acabando por se espetar de cabeça em cima de um carro. Tudo isto em breves segundos, enquanto a tal voz off anuncia a premissa principal: porque é que nunca ninguém se lembrou de se tornar um super-herói que, ainda que sem poderes, combatesse o crime ? Porque é que não podem haver heróis sem poderes ?

Dave Lizewski (Aaron Johnson) é um rapaz de 17 anos que se interroga sobre isso. A sua vida é semelhante à de muitos super-heróis, antes de o serem (buzina a tocar *Peter Parker*, repetidamente). É um geek das bandas desenhadas (as piadas sobre o Batman, Homem-Aranha e Super-Homem são recorrentes, durante o filme -primeira crítica relativamente desmontada, já que nunca li bandas desenhadas dos senhores), com óculos, incrivelmente excitado com qualquer rapariga (seios são a sua principal fraqueza) e apenas se dá com dois rapazes iguais a ele. O seu único poder é "ser invisível para as miúdas". É incrivelmente indiferente para a sociedade.

A tudo isto se junta a inalterabilidade das suas rotinas (a sua mãe morre à mesa do pequeno almoço, com um aneurisma, para sua quase indiferença, numa cena fantástica em que o cenário em nada se modifica; apenas a mãe desvanece e os cereais continuam os mesmos) e a passividade das pessoas no combate ao crime (ele os amigos são assaltados várias vezes pelos mesmos rufias, sendo que na cena que vemos, há alguém a observar da janela, impotente).

Eis que Dave se decide a por fim a tudo isto e encomenda o seu fato verde e amarelo, a sua máscara, cria a sua página no myspace (afinal, é um herói das novas gerações) e se intitula de "Kick Ass". As suas primeiras intervenções não correm bem e acaba por ser brutalmente espancado, acabando no hospital.

Deixo aqui mais uma nota: ao tom cómico que evidenciei à bocado, entra aqui a faceta ultra-violence do filme. É pancada a sério.

Por esta altura, Katie Deuxma (Lyndsy Fonseca), a rapariga dos sonhos de Dave, assim como o resto da escola, julga que ele é gay (teoricamente, havia sido encontrado espancado e sem roupas, o que não foi verdade) - se antes não lhe ligava, agora, como todas as raparigas da nossa realidade, "i've alwas wanted a friend like you.". Os seus amigos convencem-no a manter o disfarce, para se aproximar dela. A sua vida começava a mudar.

Porém, o grande turn é quando, em Kick-Ass mode, ajuda um homem que estava a ser espancado por outros três - uma luta intensa, duradoura e bem filmada (como disse, pancada a sério). Alguns "espectadores" aplaudiram, deliciados, fez manchete dos jornais, apareceu nos telejornais e no youtube e alcançou os 16.000 amigos no myspace (contra uns míseros 38 da página de Dave, ele próprio).

Mas vejamos: trata-se de um tipo desajeitado, que não sabe lutar, sem experiência em nada de nada. Acaba por se meter em sarilhos e ser salvo pelo Big Daddy (Nicholas Cage) e pela Hit Girl (Chloe Grace Moretz). Quem são estes ? Big Daddy é um sujeito com um fato do Batman que esteve preso por causa do gang de Frank D'Amico (Mark Strong), algo que a sua mulher não aguentou, acabando por morrer, mas sem antes deixar uma filha. Hit girl é ... a filha. Com um esconderijo repleto de armas de todo e qualquer tipo, Damon Macready treinou arduamente a filha, Mindy Macready (assistimos a uma das sessões, chamemos-lhe "resistência a tiros") tornando-a numa 12 year old cold-hearted invincible ninja bitch.

Nova nota. A rapariga tem 12 anos e manuseia com mestria e precisão qualquer tipo de faca, arma de fogo e afins. É ela que vai espetar, rasgar, cortar, mutilar, fuzilar, enfim, destruir e matar tudo e todos a partir de agora. Revejam as críticas de que falei no início. Parece-me que uma visão como as tais só é possível se admitirmos que há uma verdadeira pretensão de realismo no filme, que, a meu ver, não há - o tal tom jocoso que devemos sempre levar em conta, torna esse realismo num pseudo-realismo, numa ironia saborosa.

É por isso que, daqui para a frente, experimentamos uma estranha mistura entre um humor-parvo subtil (cá vai mais um exemplo, vejam a segunda cena de "sexo" entre Dave e Kate, ou a frase que ela diz antes de o irem fazer, para ... as traseiras de um café) e uma violência explícita e surrealista. A mim caiu-me bem. Entreteve-me e fez-me rir. Mas é claro que chovem comentários e piadas com comparações em relação ao Jackie Chan.

A certa altura acaba por entrar em cena um outro super-herói: Red Mist (Christopher Mintz-Plasse). Trata-se de Chris D'Amico, filho do vilão Frank D'Amico, que tem como função atrair, primeiro Kick Ass e, depois, Big Daddy e Hit Girl, para as garras do pai, já que eram eles os responsáveis pelas mortes de dezenas dos seus homens. Inicialmente indeciso entre o bem e o mal, acaba por, nos segundo finais, se converter ao mal, lançando as sementes para a sequela (que chega em 2012), provavelmente adoptando uma postura de vingança da morte do pai.

Morte do pai ? Sim, é verdade. No climax, assistimos a uma autêntica carnificina essencialmente perpetrada pela pequena rapariga (vingando a morte de Damon, que acontece umas cenas antes). Porém, a certa altura, também para ela as coisas correm mal. É quando surge Kick Ass, finalmente a fazer alguma coisa de jeito, no seu jet-pack (quem já jogou GTA ?), acabando por utilizar a tão requisitada bazuca, num só homem.

O final é feliz, mas não o será por muito tempo. Dave parece até estar a adivinhar o que lhe espera num futuro próximo - "Kick Ass was gone. But not forgotten.".

Em suma: 1) gostei bastante; 2) acho que há uma inteligente intencionalidade em fazer o filme balançar entre o cómico-estúpido e a violência bruta; 3) acho que a Hit Girl é mesmo para ser encarado nessa perspectiva (ponto 2), como algo incrivelmente irrealista e impossível; 4) sinto dificuldades em ver Mintz-Plasse fora do McLovin; 5) boas músicas e excelente ligação com as imagens 6) grande louvor para Chloe, também grande responsável por achar que o papel da personagem resultou tão bem (grande promessa do cinema), outro para Aaron.

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