As críticas, em geral, não são animadoras:
- é impossível gostar disto se não formos fãs da banda desenhada [em que se baseia o filme], nomeadamente porque não percebemos muitas das piadas;
- é um filme pretensioso que, ao auto-intitular-se como 'realista', rapidamente se torna numa 'fantasia' ;
- é de um irrealismo quase ridículo a partir do momento da entrada em cena da Hit Girl;
- a voice off com piadas irritantes.
Não podia discordar mais.

A primeiríssima cena do filme está muito engraçada. A meu ver, lança logo um aviso quanto à forma, ou quanto a uma das formas, com que temos de encarar os 120 minutos que se seguem: sempre com a noção de que é suposto sentir-se um certo rasgo de comicidade, reconhecer um certo tom jocoso em cada cena. Trata-se de um sujeito, com um fato de super-herói e umas asas, a cair a pique de um arranha céus, qual Ícaro, perante uma multidão extasiada e a aplaudir, acabando por se espetar de cabeça em cima de um carro. Tudo isto em breves segundos, enquanto a tal voz off anuncia a premissa principal: porque é que nunca ninguém se lembrou de se tornar um super-herói que, ainda que sem poderes, combatesse o crime ? Porque é que não podem haver heróis sem poderes ?
Dave Lizewski (Aaron Johnson) é um rapaz de 17 anos que se interroga sobre isso. A sua vida é semelhante à de muitos super-heróis, antes de o serem (buzina a tocar *Peter Parker*, repetidamente). É um geek das bandas desenhadas (as piadas sobre o Batman, Homem-Aranha e Super-Homem são recorrentes, durante o filme -primeira crítica relativamente desmontada, já que nunca li bandas desenhadas dos senhores), com óculos, incrivelmente excitado com qualquer rapariga (seios são a sua principal fraqueza) e apenas se dá com dois rapazes iguais a ele. O seu único poder é "ser invisível para as miúdas". É incrivelmente indiferente para a sociedade.
A tudo isto se junta a inalterabilidade das suas rotinas (a sua mãe morre à mesa do pequeno almoço, com um aneurisma, para sua quase indiferença, numa cena fantástica em que o cenário em nada se modifica; apenas a mãe desvanece e os cereais continuam os mesmos) e a passividade das pessoas no combate ao crime (ele os amigos são assaltados várias vezes pelos mesmos rufias, sendo que na cena que vemos, há alguém a observar da janela, impotente).

Deixo aqui mais uma nota: ao tom cómico que evidenciei à bocado, entra aqui a faceta ultra-violence do filme. É pancada a sério.
Por esta altura, Katie Deuxma (Lyndsy Fonseca), a rapariga dos sonhos de Dave, assim como o resto da escola, julga que ele é gay (teoricamente, havia sido encontrado espancado e sem roupas, o que não foi verdade) - se antes não lhe ligava, agora, como todas as raparigas da nossa realidade, "i've alwas wanted a friend like you.". Os seus amigos convencem-no a manter o disfarce, para se aproximar dela. A sua vida começava a mudar.
Porém, o grande turn é quando, em Kick-Ass mode, ajuda um homem que estava a ser espancado por outros três - uma luta intensa, duradoura e bem filmada (como disse, pancada a sério). Alguns "espectadores" aplaudiram, deliciados, fez manchete dos jornais, apareceu nos telejornais e no youtube e alcançou os 16.000 amigos no myspace (contra uns míseros 38 da página de Dave, ele próprio).

Nova nota. A rapariga tem 12 anos e manuseia com mestria e precisão qualquer tipo de faca, arma de fogo e afins. É ela que vai espetar, rasgar, cortar, mutilar, fuzilar, enfim, destruir e matar tudo e todos a partir de agora. Revejam as críticas de que falei no início. Parece-me que uma visão como as tais só é possível se admitirmos que há uma verdadeira pretensão de realismo no filme, que, a meu ver, não há - o tal tom jocoso que devemos sempre levar em conta, torna esse realismo num pseudo-realismo, numa ironia saborosa.
É por isso que, daqui para a frente, experimentamos uma estranha mistura entre um humor-parvo subtil (cá vai mais um exemplo, vejam a segunda cena de "sexo" entre Dave e Kate, ou a frase que ela diz antes de o irem fazer, para ... as traseiras de um café) e uma violência explícita e surrealista. A mim caiu-me bem. Entreteve-me e fez-me rir. Mas é claro que chovem comentários e piadas com comparações em relação ao Jackie Chan.

Morte do pai ? Sim, é verdade. No climax, assistimos a uma autêntica carnificina essencialmente perpetrada pela pequena rapariga (vingando a morte de Damon, que acontece umas cenas antes). Porém, a certa altura, também para ela as coisas correm mal. É quando surge Kick Ass, finalmente a fazer alguma coisa de jeito, no seu jet-pack (quem já jogou GTA ?), acabando por utilizar a tão requisitada bazuca, num só homem.
O final é feliz, mas não o será por muito tempo. Dave parece até estar a adivinhar o que lhe espera num futuro próximo - "Kick Ass was gone. But not forgotten.".

No comments:
Post a Comment