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Tuesday, November 9, 2010

EFF'10: Chantapras (2010) & Masterclass: Otar Iosseliani


Foi com uma estranha sensação de incompletude com que saí da sala de cinema, desta vez. Não por faltar alguma coisa ao filme, porque duvido que falte, porque o senti completo, mas porque não estava preparado para ele. O próprio Paulo Branco, no início da exibição, deixou escapar que a obra seria mais facilmente compreendida por aqueles que conhecessem o trabalho do histórico realizador da Geórgia, grupo no qual eu não me insiro, de todo, ainda.

Gostei bastante das personagens, gostei muito da fotografia. Percebi que há um percorrer de uma jornada, por parte de um realizador de cinema, que se tenta expressar na Geórgia mas é impedido pela censura soviética, partindo para França, em busca da liberdade e democracia, onde a sua sorte não é melhor, acabando por voltar. Mas não consegui perceber mais do que isto.

Os primeiros dez minutos são fabulosos e fazem antever uma história sobre três grandes amigos que terão crescido em volta de mistérios e curiosidades, eventualmente ligados a algum mito, à história, à arte, a lendas, em que talvez tudo fosse dar à própria vida ou às relações humanas. Mas não, nada disso. E, agora, não sei onde raio é que estes belos dez minutos se ligam com os restantes cento e dez.

Não percebi o final, com a sereia.

Enfim, é com muita pena que admito que é um filme que não me chegou e que terei de rever um dia mais tarde, quando estiver mais preparado. Quanto à masterclass, foi curtíssima. Fomos despachados com uma pinta e um requinte impressionantes e, apesar de ter sido de um minimalismo desafiante e interessante, não deixou de saber a pouco e de nos deixar a imaginar sobre o que revolveria na cabeça de Iosseliani.

Friday, November 5, 2010

Redactor convidado: Ivan Detstvo / A Infância de Ivan (1962)

Foi com alguma hesitação e com um envergonhado sorriso no rosto que Alexandra Corte-Real de Almeida, uma amiga, cinéfila como todos nós, acabou por aceitar o meu convite para fazer um texto sobre a sua perda de virgindade tarkovskiana, um momento marcante para qualquer amante de cinema.


O seu extâse, pelas suas palavras.

"Foram muitos os filmes que já vimos, nos cinemas e nas televisões, sobre a II Guerra Mundial, cada um tratando o tema sob uma perspectiva diferente, cada um com o seu próprio enredo interior e cada um, no geral, acentuando à sua maneira as consequências irreversíveis e avassaladoras que um conflito deste calibre tem. Pois bem, atrevo-me a dizer que o primeiro filme de Andrei Tarkovsky veio transcender qualquer visão sobre a guerra que eu já possa ter ponderado.

Em primeiro lugar é de realçar o facto de ser sob o olhar de uma criança que conhecemos o desastre que se fez sentir em terras russas.
Ivan, um menino de 12 anos que deambula entre a inocência do mundo onírico a que se agarra e a realidade tão mais vil e escura que tem em frente é órfão de pai e mãe e tentando fugir à Escola Militar ingressa nos Serviços Secretos Russos onde sente que poderá fazer algo pela guerra que encara. É a força vinda da ingenuidade de um rapazinho que teve de se adaptar e lutar contra (ou com) o duro contexto que lhe foi imposto que torna a película de Tarkovsky fascinante. Em paralelo ao percurso de Ivan assistimos ao comportamento dos adultos que o rodeiam e às relações que entre si estabelecem e que de certo modo contrastam com a simplicidade do protagonista, que apesar de condicionado pelo seu meio, não está ainda contaminado por esse.
Mas nunca é só no argumento e na premissa que reside a grandeza de um filme como este. É de louvar em Tarkovsky a sua capacidade de fazer a imagem e a forma como a capta falar por si só através das cores contrastantes e da iluminação sugestiva. Peguemos no exemplo dos sonhos que Ivan tem, nomeadamente com a mãe, todos carregados de uma simplicidade enternecedora que só sentimos graças aos tons cinzento claro e brilhante que acentuam a acção e fazem o espectador envolver-se mais facilmente e sentir-se, ele próprio, quase num sonho. Ou ainda, e como oposição, temos por exemplo as cenas em que vemos os vestígios da guerra e nas quais sentimos o pesar das cores escuras e das sombras que as cobrem. E, dando também a importância que o som tem ao deste filme, de realçar é a banda sonora escolhida a rigor, através da qual conseguimos quase de olhos fechados distinguir o mundo onírico do mundo real sem que isso nos seja mostrado como óbvio.

E é nessa completude de vertentes que A Infância de Ivan cresce a cada segundo até culminar num final que a meu ver não é se não perfeito muito embora triste e que sugere toda a inocência e simplicidade da infância que existe sempre em qualquer circunstância, por mais dura que seja, e que me deixou até nostálgica.

Porém, parece-me impossível escrever sobre Tarkovsky fazendo-lhe jus. Este filme deve, na realidade, ser tomado como o todo poético que é. Mais do que pensado e analisado tem de ser sentido para que o absorvamos na sua plenitude e com ele nos sintamos plenos também. E é nessa dimensão que se entende que a ligação que se estabelece com o cinema vale não só pelos elementos que compõem o filme mas essencialmente pela conexão de uns com os outros que fazem, neste caso, o todo maior e mais forte que a parte. E sem dúvida que, ver a Infância de Ivan, me veio provar isso mesmo instalando-se em cada bocado de mim e transformando-me com a sua própria transformação."

Friday, July 9, 2010

Os Filmes dos Presidentes IV - António Ramalho Eanes

Não deverá ser surpresa a escolha do nosso primeiro Presidente da República eleito no pós-25 de Abril, ou não fosse António Ramalho Eanes militar (General) e não fosse O Resgate do Soldado Ryan um dos maiores filmes de guerra que temos connosco. Baseado na estória verídica dos irmãos Niland, é com vigorosa emoção e com sonhador e empenhado realismo (os próprios actores estiveram algum tempo no exército, como recrutas - experiência que garantem não querer voltar a repetir) que Steven Spielberg pinta o cenário dos últimos dias da II Guerra Mundial, contando a jornada de oito homens destacados para salvar apenas um: James Francis Ryan.

Os primeiros trinta minutos de filme são de uma mestria louvável. As dezenas de homens, que o director faz parecerem centenas, emergem de um silêncio perturbador para uma confusão de correrias, movimentações e estratégias, dando origem a um caos absoluto, nem sequer regular mas sim arritmicamente acelerado (onde nos é introduzida uma câmara tremida que nos acompanha o resto do filme e que muito contribui para o nosso envolvimento no mesmo). O plano inunda-se não só de um mar tormentoso e sufocante (com uma câmara que cessa tudo à sua volta, menos a imagem, quando submerge - pormenor belíssimo) mas também de gritos de morte ou de ordem, tiros de todos os lados, bombas e embates - o barulho exuberante e insuportável, a que se vai aliar uma música que quase nunca aparece (excepção feita para a nostálgica e pseudo-pacífica sequência em que os soldados ouvem Edite Piaf).

O céu carregado, a terra e a poeira, a chuva torrencial, e as vestes que envergam os soldados, as cores que os cobrem, escuras, com cinzentos que ameaçam rasgar-nos o coração, introduzem o tom cruel e desolador da guerra, injectado por entre imaginárias paredes metálicas e gélidas, compostas pelo armamento que os destrói, sustenta ou motiva.


No meio de tudo isto, apenas duas cores conseguem sobressair: o vermelho e o laranja. É o sangue que jorra dos buracos dos corpos, que se fixa em salpicos nas caras dos sobreviventes, que flui pelo outrora límpido areal, que tinge a água do mar de um vermelho agoniante, qual última ceia. É o fogo que queima a carne, o metal e o espírito, em nome da chama não só de uma nação mas também do Mundo.
São os dois tons que marcam o filme. Se pelo primeiro se narra o início da histórica vitória dos Aliados, pelo segundo narra-se uma epopeia de coragem, sacrifício, irmandade e dignidade - "Não percebo esta matemática, em que sacrificamos oito homens para salvar um.". Uma epopeia de motivações e limites do Homem - Upham, que se recusa a disparar sobre quem quer que seja, consegue salvar um soldados alemão da morte, libertando-o, o que nos deixa a interrogação "será que todos os soldados nazis defendiam uma causa ?". No final, acaba por premir o gatilho, assassinando quase à queima-roupa esse mesmo soldado, que se voltara a juntar aos compatriotas nazis, o que só nos complica o dilema da enunciada pergunta.

Uma obra épica que conjuga tudo aquilo que me agrada ver no cinema: uma mensagem profunda, ou não fosse este um sincero agradecimento à memória de toda uma geração a que se exigiu a democracia em que hoje vivemos e uma estória absolutamente contagiante, emotiva (o pathos) e narrativamente fantástica.

"I have here a very old letter, written to a Mrs. Bixby in Boston. "Dear Madam: I have been shown in the files of the War Department a statement of the Adjutant-General of Massachusetts that you are the mother of five sons who have died gloriously on the field of battle. I feel how weak and fruitless must be any words of mine which should attempt to beguile you from the grief of a loss so overwhelming. But I cannot refrain from tendering to you the consolation that may be found in the thanks of the Republic they died to save. I pray that our heavenly Father may assuage the anguish of your bereavement, and leave you only the cherished memory of the loved and lost, and the solemn pride that must be yours to have laid so costly a sacrifice upon the altar of freedom. Yours very sincerely and respectfully, Abraham Lincoln."

Avanço que terminarei a rubrica "Filmes dos Presidentes" com um último artigo, será "o meu filme", um dos meus favoritos.