Monday, May 17, 2010

2001: Space Odyssey / 2001: Odisseia no Espaço (1968)

Não tenho dúvidas de que estou perante um dos títulos não-intelectuais (como, e recorrendo a um exemplo do mesmo autor, "Clockwork Orange") mais bem conseguidos que já li. "Odisseia". É a síntese perfeita para esta tão diferente experiência - é de uma pura deambulação anestética, um sentimento de completo envolvimento na esfera espacio-temporal da estória.

A chave para isto é o facto de estarmos perante uma obra essencialmente visual e musical, com pouquíssimos diálogos - os primeiros e os últimos vinte minutos do filme (num total de quarenta, aprox.) passam-se sem qualquer fala. Estamos a falar de um filme idealizado em 1965, quatro anos antes do homem chegar realmente à lua (21 de Julho de 1969), em que vemos naves de vários tipos, bases espaciais, fatos de astronautas, a interacção do homem e um espaço de uma perfeição admirável (não sou eu ninguém para avaliar isso mas 1) Kubrick convocou peritos para o aconselharem nos mais ínfimos pormenores; 2) é tecnologia que eu aceitaria perfeitamente ver num filme actual, sobre o espaço). Estamos a falar da existência de um computador (HAL) que tem um nível de inteligência equiparável ao homem e da inclusão daquilo a que hoje chamaríamos uma conversa por webcam (apesar de aqui ser através de um telefone). Estamos a falar de efeitos de cores e luz belíssimos aquando da chegada a Júpiter. Eu sei que o homem foi um grande visionário, mas não consigo deixar de ficar atordoado de cada vez que penso.


Falei em música, também: são duas horas do melhor que há de música clássica. Bom, se me dissessem que havia um filme com naves e afins, incessantemente acompanhada por Beethoven ou Mozart, talvez me risse. Pobre tolo. Inspirou-se nas valsas alemãs para, ao olhar para a nave mãe da sua estória, que tem uma estrutura em forma de circunferência e em permanente rotação, nos injectar com a famosa melodia de Johann Strauss II, O Danúbio Azul.

A harmonia entre a rotação das naves, os planetas redondos, as naves redondas, os astronautas às voltas, sempre que saem da nave, o design futurista de toques igualmente arredondados, a lentidão com que grande parte do filme se passa (efeito da gravidade) e esta fabulosa banda sonora transporta-nos para um certo estado de êxtase, se estivermos a conseguir apreciar tudo.

O argumento, a estória em si, também está muito interessante. Pode ser dividido em três capítulos:


1. Pré-histó
ria.
4 milhões de anos antes de 2001, em África. Sol, grandes pradarias. Vários animais. Duas tribos de macacos andam por ali, a fazer a sua vida - passamos algum tempo a assistir a isto. Numa manhã, um monolito negro caiu na Terra, para espanto e confusão dos primatas.
A partir do momento em que estão perante a sua presença, ter-se-à (é a interpretação que faço, e penso que é a correcta) desencadeado o processo de evolução, de onde surge o homem - depois do acontecimento, um dos macacos descobre as potencialidades que um osso pode ter (nomeadamente como arma). Logo de seguida, vemos os macacos a comer carne (já caçaram) e uma disputa sobre uma pequena "poça" de água que outrora partilhavam.


2.Viagem à Lua (2001)
Numa altura em que já nos podemos maravilhar com a criatividade futurista de Kubrick, Dr. Heywood Floyd (William Sylvester) chega a uma nave com o objectivo de dirigir uma expedição à lua onde havia sido encontrado um monolito negro, exactamente igual ao que caíra na Terra há 4 milhões de anos atrás (nota: a audiência está a par desse facto, não as personagens). Como é que esta sequência nos ajuda a perceber o poder que a pedra tem para gerar vida e despoletar a evolução ? Pelo facto das análises feitas ao bloco se puder afirmar que este havia sido enterrado deliberadamente. Uma informação que não se desenvolve e que, simplesmente, nos deixa divagar sobre que tipo de vida extra-terrestre existiu, porquê, como, e por aí adiante.

3. Viagem a Júpiter (2002)
O único vestígio que tinha sido retirado do monolito lunar que podia levar à descoberta da sua origem eram traços de uma comunicação radiofónica para ... Júpiter. A missão conta com o Dr. Dave Bowman (Keir Dullea), Dr. Frank Poole (Gary Lockwood) e três outros cientistas que estariam em modo de hibernação até à chegada ao destino. Passando por cima do conflito que surge no decorrer da viagem, Bowman acaba por ser o único a chegar ao distante planeta, onde encontra um monolito semelhante e um cenário completamente inacreditável, surrealista, deparando-se com sucessivas visões da sua pessoa em idade cada vez mais avançada (ele próprio, ao atravessar o "fluxo de energia" para entrar no planeta, envelhece alguns anos). De repente, estamos perante um Bowman velhíssimo e doente, deitado numa cama. É mesmo ele.
Um novo monolito negro aproxima-se e ele toca-o. A imagem seguinte, a última, é uma bola de luz verde, envolvendo algo que concluo ser um "bebé ET" a dirigir-se para a Terra.

4 comments:

  1. Excelente análise. Foi até algo esclarecedora e reveladora de algumas coisas que não tinha percebido totalmente.

    Gostei do filme (vi-o recentemente), ainda que não partilhe de momento o entusiasmo de tantas gerações. Apesar de tudo, acho que com o tempo a minha apreciação poderá vir a ser diferente, para melhor. Fascínio é o que me incutiu, ainda que ache a narrativa um pouco lenta, demasiada por vezes.

    abraço

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  2. JORGE: Muito obrigado. Fico contente por te ter esclarecido, se bem que este todo o filme está susceptível à interpretação de cada um. Cada um de nós pode ver uma coisa diferente, uma coisa nova. Faz parte da sua beleza.

    Eu sou fã de Kubrick, mesmo, e este é um dos meus favoritos. Talvez, quando voltares a ver, o sintas de forma diferente. Exige uma certa solenidade, uma disposição para tirar prazer da música, da luz, da cor, do subtexto, para construir interpretações mais filosóficas.

    Abraço.

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  3. Por acaso tirei bastante prazer da música e das cores. Já do subtexto e em relação à interpretação é que achei um tanto quanto filosófico demais, ou subjectivo demais. Diria que a primeira e segunda parte (segundo a tua crítica) gostei bastante, geniais mesmo...na terceira parte é que acho a narrativa muito lenta, cansativa até.

    Enfim pode melhorar, aliás já melhorou com uma segunda visualização :)

    abraço

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