Saturday, April 2, 2011

Du Rififi Chez Les Hommes / Rififi (1955)

Colocado na lista negra de Hollywood, após ser acusado de partilhar ideais comunistas, Jules Dassin rumou até França, para onde transportou um certo estado de espírito niilista e negro, a partir do qual conseguiu dar corpo a uma das maiores obras primas do crime e do heist film, sob uma filosofia e um estilo particulares, o noir. Para além do selo de "inimigo político", o autor não se livrou de várias convulsões de produção, por falta de meios e pelo seu repúdio com o livro original de onde o argumento foi adaptado, que François Truffaut apelidou de "o pior livro de crime que já li", contrapondo, sobre a versão filmada, com "um dos melhores filmes de crime que já vi". De facto, com um argumento incrivelmente inteligente, muito bem construído, cheio de mistério, tensão e marcos emocionais muito fortes; de uma sensibilidade de colocação de câmara e composição que transpõe 120 páginas para as mais sugestivas e deliciosas imagens em movimento; com uma música e uma utilização do som maravilhosas, Dassin cria, aqui, um dos melhores filmes de todos os tempos.

As personagens são construídas de forma magnífica. Tony, acabado de sair da prisão, bebe e joga cartas - um niilista, sem rumo. Os seus amigos, Jo e Mario, precisam dele e querem-no para o próximo golpe, desta vez a uma riquíssima joelharia - mesquinhos criminosos (talvez fossem, numa história mais banal!). Mas existem outros elementos e pequenos subplots, que aprofundam todas as personagens e aperfeiçoam o nosso conhecimento sobre cada uma: a antiga relação entre Tony e Mado, traidora, cujo reavivar da memória confere uma nova dimensão à inutilidade da sua vida, e lhe faz brotar um sentimento de vingança contra o próprio mundo, e o impele a aceitar participar no roubo das jóias - um magoado, um decadente, um grande anti-héroi noir. Já Jo Séldois é um carinhoso e afectuoso pai e esposo, como vemos pelas brincadeiras que tem com o filho e pela forma como conversa com a mulher. Mario é, igualmente, um apaixonado pela sua companheira e brincalhões vão vivendo os dois. E chega César, directamente de Milão, o outsider, que começa por encarnar a competência, a pedra de toque necessária para o golpe.

E assim vamos, ao longo do filme, conhecendo cada vez mais estes quatro homens, nomeadamente no crescendo da colaboração entre si - a sua compenetração, a determinação, a minúcia. Tudo corre como planeado e à face negra de Jo, Mario e César corresponde um amor à vida e à família: o primeiro quer utilizar o dinheiro para com o filho; o segundo, para com a mulher; o terceiro, para com as irmãs. Tony continua a caminhar na sua estrada sem grande destino - "Não sei [o que fazer ao dinheiro].".

A partir daqui, as relações entre os quatro homens são postas à prova, num terceiro acto em que nos debruçamos completamente sobre a personalidade da nossa personagem principal e assistimos a uma das mais belas transformações de sempre, onde vemos nascer um verdadeiro, ainda que tardio, herói. O gatilho para isto é dado por César, aquele que começou desconhecido, que chegou a companheiro (diz Tony, "Eu até gostei de ti"), e que sua luxúria para com Viviane coloca na posição de traidor máximo, ao revelar ao gang de Pierre (actual marido de Mado) a localização do pequeno tesouro. A primeira consequência é o seu aprisionamento; a terceira, o assassínio de Mario e sua mulher; a terceira, o rapto do filho de Jo. Por aqui, reentra o valor do subplot de Stéphanois, que assassina César ("Quebraste a regra [dos companheiros do crime]") e que tem de ultrapassar o seu rancor e mágoa para com a sua amada para evitar a catástrofe total - a perda de todo o dinheiro e a morte do menino e de Jo.

Tudo acaba em doce-amargura, depois da peripécia. O menino é salvo, depois da morte dos gangsters (à excepção de Pierre). Por falha de comunicação, Jo perde a cabeça e avança até à toca do lobo, acabando morto. Imediatamente a seguir, Tony é ferido de morte e ainda consegue acabar com Pierre. O menino chega a casa, a salvo, e a mala de dinheiro cai nas mãos da polícia.


É um filme recheado de subtilezas de argumento e de câmara extraordinários. Pequenas acções descrevem tudo o que foi acima contado e todos os pequenos beats de evolução, todas as motivações e antecipações de todos os subsequentes passos - desde a tensão da meticulosa preparação do assalto, quase sem falas, ao próprio assalto (cerca de 30 minutos de pleno segundo acto, sem quaisquer diálogos, apenas com sons e música, numa das melhores sequências que já vi), à tensão que existe pelos vários elementos que surgem lá fora, durante o assalto (em relação até com a planificação a que fomos assistindo; ou os inesperados polícias desconfiados), ao rigoroso, fluido e constante crescendo de um quase utilitarismo maquinal na direcção de um desespero marginal, emocional e cru.


Há cenas absolutamente memoráveis. O espancamento de Tony a Mado, no início, em que a câmara, envergonhada mas presa à forte personalidade do homem, fica no limite de não assistir a nada, com a imagem do interior do quarto ao fundo, em profundidade. O serão no clube de Pierre, com a dança de Viviane (aqui), com as sombras lá atrás. As montagens-sequência do planeamento, que já referi, e todo o assalto. A morte de César, por Tony, em todo o seu primeiro contacto, até ao impiedoso e magoado disparo, em ponto de vista subjectivo. Há mais, muitas mais.

Perdoem-me por tantas palavras, até porque são demais para que as leiam. Mas a surpresa foi tal, a emoção foi tal, que não poderia deixar de o fazer. E deveria escrever mais, mais e melhor, mas outras questões não mo permitem, pelo menos para já. Não é apenas um dos grandes film-noir de sempre, é um dos melhores filmes de sempre. Agora, tenho pena que Al Pacino esteja a preparar o seu remake para 2012.

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