Sunday, April 4, 2010

The Lovely Bones / Visto do Céu (2009)


Era com grande expectativa que vinha a aguardar esta peça, apesar de não ter lido o best-seller em que se baseia (The Lovely Bones, de Alice Sebold). Eram três os pontos em que alicerçava o meu interesse:

1) A premissa principal: uma rapariga de 14 anos é assassinada e inicia a sua viagem na direcção da luz. Porém, não consegue continuar caminho e fica presa numa "esfera emocional" de luta, ódio e vingança, que constitui a única ligação entre ela e a sua família, que se começa a desmoronar. Só ela tem o poder de curar todas as feridas.

2) O elenco forte: das cinco personagens mais relevantes, duas eram interpretadas por vencedores de Oscar e três eram interpretadas por nomeados para Oscar - Rachel Weisz (Abigail Salmon, a mãe) e Susan Sarandon (Lynn Salmon, avó); Saoirse Ronan (Susie Salmon, a rapariga), Mark Whalberg (Jack Salmon, o pai) e Stanley Tucci (George Harvey, o assassino).

3) O responsável pelo leme do barco: Peter Jackson. De notar que o director também participou na escrita do argumento, acompanhado por Fran Walsh e Philippa Boyens, que formam a equipa que venceu o prémio da Academia para Melhor Argumento Adaptado, com Fellowship of the Ring.

Agora que volto a considerar isto, tinha mesmo tudo para ser um bom filme. Desiludiu-me, porém - o primeiro e terceiro pontos; quanto ao segundo, não vou apontar críticas.

A história começa bem. Passamos alguns minutos, não a absorver a vida da família Salmon, mas sim a ser absorvidos por ela. Seguimos os passos de Susie, ficamos a conhecer alguns aspectos da sua personalidade e qualquer coisa sobre o seu grande amor pré-adolescente. Criamos mesmo uma empatia com a rapariga, inocente e simpática. A narração por parte da própria cria uma atmosfera muito adequada de uma nostalgia que é suposto sentirmos. Há mais dois pontos que fortalecem este sentimento: o pequeno angle à volta das fotografias (o seu sonho de ser fotógrafa) e o encontro com Ray, que sempre desejou e nunca poderá ter, assim como nunca teve e nunca terá o seu primeiro beijo.

A sua morte está bem realizada. Foi intenso e, ao mesmo tempo, dúbio. Assistimos à passagem de uma curiosidade tremenda pelo "esconderijo" a uma cautelosa tomada de consciência de que algo não estava bem, à assumpção do controlo por parte do medo. Esta bela cena muito deve às excelentes interpretações de Saoirse e Stanley, às quais já voltarei. Ao mesmo tempo, ficamos sem saber como é que ela morreu, como é que tudo se passou de facto. Aliás, o que vemos, é Susie a conseguir fugir e, de repente, é um fantasma.


A partir daqui, senti tudo desmoronar. A partir daqui, tenho a dizer: mau filme. Penso que o pior foi a estruturação do argumento e a justificação (ou falta dela) de pontos importantes.

A alternância entre o mundo terrestre e o mundo celestial é, quase sempre, sem grande sentido. Na terra está a acontecer algo de importante e no Céu, apenas acontecem coisas estranhas, que nem Susie percebe e que não fazem sentido com nada. É certo que, por várias vezes, a rapariga chama pelo pai e este chega a dizer que a viu. Mas como se explica que a primeira coisa em que ela pense quando chega ao Céu seja o encontro com Ray ? E como se explica que a mãe se tenha ido embora sem que ela sequer se preocupe, para no final dizer qualquer coisa como "percebi que era a minha mãe que faltava [aceitar a minha morte]" ? Como se explica que dê relevo ao facto de a irmã ter um namorado mas não se preocupe com o facto de ela se estar a arriscar demasiado com o assassino ?

Penso que também podiam ter explicado o significado do local onde Susie estava sempre, qualquer que fosse a paisagem - porque parecia ter um grande significado mas eu, pelo menos, não o percebi. Outra: a rapariga que via os mortos. Uma personagem é introduzida com tamanho mistério, revela tamanha faculdade e é simplesmente arrumada ? Pior foi no fim quando parece perceber que o corpo mutilado de Susie está prestes a ser deitado numa lixeira e a única coisa que faz é criar uma ilusão, em Ray, para que este pense que está em frente à amada (sim, a paixão era recíproca) e lhe dê, finalmente, o beijo.

Há outra parte que me deixa em estado de quase-indignação. Temos uma situação em que Susie percorre uma série de paisagens que, passo a expressão, tresandam a morte, enunciando a série de assassínios que Harvey protagonizou (uma grande cena, essa) para, logo de seguida, e ao mesmo tempo que há problemas na terra com a sua família, se encontrar reunida com essas mesmas crianças de que nos acabou de falar, num sentimento de alegria e comunhão.


Por fim, o final foi demasiado apressado. Temos uma boa performance de Rose McIver (Lindsey Salmon, a irmã) em casa de Harvey, à procura de pistas, com um bom hype dado a toda a cena para, no final, sermos presenteados com uma imagem da polícia em casa do dito cujo, sem uma reacção dos pais de Susie, sem uma congratulação à miúda. Pareceu algo que foi esquecido na hora.

Também teve coisas boas. Destaco, imediatamente, as interpretações de Saoirse e Tucci, os efeitos de Jackson (esteticamente, é um filme belíssimo - destaque para aquela que foi uma das poucas conexões bem feitas entre o mundo terrestre o Céu, a situação em que Jack começa a partir as garrafas com os barcos e o mesmo acontece, em ponto gigante, lá em cima), a história dos rolos de fotografia (a revelação de um por mês, como havia sido imposto pelos pais à filha, por serem muitos, com o último a ser a chave para o assassino) e a banda sonora. Também gostei do final dado ao vilão. É o chamado "karma".

2 comments:

  1. Também não pude deixar de me sentir desiludida com "The Lovely Bones", se calhar muito em parte pelas minhas expectativas, que coincidiam com os 3 pontos que referiste! Mas não diria que a 2ª parte seja um filme mau, antes sim desequilibrado! Após uma 1ª parte de um autêntico sonho visual (a cena dos barcos é de facto inesquecível e muito forte), a segunda não consegue desenvolver adequadamente o drama da família e a conexão entre a realidade e o mundo de Susie, no limbo.
    Contudo, são de valorizar os efeitos visuais e as excelentes interpretações de Saiorse Ronan e Stanley Tucci, este completamente sinistro e pertubador!
    Assim, não deixa de ser uma boa e interessante proposta!

    Cumprimentos

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  2. Boa crítica, mais uma vez. Identifico-me também, e realmente foi uma pena, em especial por vir de Jackson.

    Acho que essencialmente falhou na estrutura narrativa, e numa segunda parte, tal como dizes. Acaba por tornar-se incoerente em certas transições de um mundo para o outro, confuso por vezes e sobretudo frustrante dado que o argumento não se desenvolve ou não se equilibra convenientemente.

    Enfim, vale por algumas interpretações, pela componente visual e a premissa inicial.

    abraço

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