Wednesday, November 10, 2010

EFF'10: Encontros de Escolas de Cinema (2ª Sessão)


Decorreu durante a manhã de hoje a segunda sessão dos Encontros de Escolas de Cinema, que consistem na apresentação em público de algumas curtas-metragens de escolas de cinema de toda a Europa, em que o fomento das relações entre umas e outras é o principal objectivo.

Pude assistir a três trabalhos do INSAS (Institut Nationale Supérieur des Arts du Spectacle), da Bélgica; a três trabalhos da ECAM (Escuela de Cinema y Audiovisual de Madrid), de Espanha; a um trabalho da FAMU, da República Chega, Praga e, por fim, um trabalho da ESTC (Escola Superior de Teatro e Cinema), de Portugal.

Houve apenas uma delas, logo a primeira, de que posso dizer que gostei muito: Sredni Vashtar, do ISNAS, realizado por Alana Obsbourne. Contava uma história muito interessante, de um miúdo com fragilidades físicas reais ou, eventualmente, forjadas por uma mãe possessiva, que viva numa assustadora e gigante mansão, e que via, dia após dia, a sua infância ser-lhe negada, por não lhe permitirem sequer sair de casa. É num estábulo que encontra o espaço para ser criança e viver as suas fantasias, que, retratadas de uma forma realmente bonita e fantasiosa mas ao mesmo tempo levemente perturbante, acabam por causar a misteriosa morte da matriarca. A fotografia e o trabalho de concepção visual da cenas foi muito bem conseguido.

De resto, não gostei de nenhuma em particular e todas pecaram pelo argumento. Los Planes de Cecília, de Belén Goméz, da ECAM, evidencia o talento para o marketing, mas a história foi bastante má. Formol, também da ECAM, de Noelia Rodriguez Nesa, tornou-se aborrecida pelo tema pouco interessante e pela demasiada duração que lhe foi dada (15min), mas a tentativa experimental em que consistiu não resultou mal. Roma Boys, de Rozálie Kohoutóva, da FAMU, desinteressou-me por completo no seu tema e na forma de o contar - uma realizador/argumentista narra a sua ideia para o seu próximo filme (um amor homossexual entre romenos), enquanto vemos esse mesmo filme, o que acaba por lhe tornar o trabalho fácil mas ineficaz, já que, por exemplo, em vez de criar situações de tensão, apenas refere que "há tensão". Porém, houve quem tivesse achado bastante graça e tenha visto aqui um certo experimentalismo.

Infelizmente, o grande destaque, que o é pela negativa, vai para Quando o Inverno chega, de Jorge Jácome, da ESTC.

10 comments:

  1. apoio do ica têm todas as curtas da escola. não deixa de ser vergonhoso.

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  2. Jorge Jácome, não Lácome.

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  3. Caro DiogoF.
    Não sei se será mais vergonhoso (ainda) desconhecer o âmbito do referido "apoio do ICA", pois dá a entender o uso vulgarizado do termo. Posso-lhe garantir que o filme curricular do Jorge Jácome não foi a concurso, tal como nenhum dos exercícios lectivos da Escola Superior de Teatro e Cinema vai, e que é o próprio ICA, via protocolos celebrados entre este e várias escolas, que assegura as actividades lectivas. Sugiro que passe a escrever com conhecimento de causa, começando, por exemplo, por consultar o Relatório de Actividades do ICA de 2008: http://www.ica-ip.pt/Admin/Files/Documents/contentdoc1706.pdf

    Cumprimentos.

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  4. Como aluno da ESTC, sei como se processa o apoio do ICA à escola. O que não significa que eu concorde com a forma como as coisas funcionam. Como é óbvio, estes são projectos única e exclusivamente pedagógicos e não podem nunca ter objectivos comerciais, pelo que não é sequer considerável a prospecção do lucro para cobrir os apoios.

    O que é verdade é que a aplicação do dinheiro passa pelo filtro chamado "pitching", que aprova os projectos a serem produzidos. A partir daí, todos os filmes têm o apoio do ICA, sendo que, nos do terceiro ano (é o caso), ao contrário do primeiro, pode ser estabelecido um orçamento.

    A partir do momento em que este filme passa no pitching, e usa o dinheiro do ICA (nem que este tenha sido só para as próprias instalações da Escola, que servem para o filme), tenho legitimidade para criticar a opção dos professores em te-lo aprovado. E, sinceramente, especialmente tendo a consideração que tenho por alguns professores (que nem devem ter tido palavra a dizer), não percebo como é que um filme destes pode ser produzido.

    Eu vi filmes belgas e espanhóis e, mesmo não tendo gostado, estão a anos-luz deste filme. Mesmo falando dos filmes da ESTC de que não gosto (e acho que, da maior parte das vezes, as coisas só não resultam porque não há tantos recursos como no estrangeiro, com o qual estabelecemos comparação), esses estão verdadeiramente mais interessantes.

    Eu admito que este tenha sido mesmo o objectivo do realizador e/ou argumentista. Porém, não vejo grande validade em vir justificar isto coma liberdade criativa ou com a identidade artística,, já que estamos a falar de 1)utilização de recursos públicos e 2) educação; e, neste caso, vejo: 1) desperdício de recursos (podiam ter optado por outro filme); 2) uma coisa que não contribui em nada para elevar o os parâmetros, que acho que é algo que falta à mediocridade do cinema português, a este constante e romântico "amadorismo".

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  5. Não vi aqui nenhuma critica ao ICA, quando o Diogo diz, vergonhoso por ter tido o apoio do ICA, penso que tenha sido vergonhoso o facto de quem realizou "Quando o Inverno Chega" não saber aproveitar o apoio do ICA, e mais vergonhoso foi terem seleccionado esta curta como uma das que iriam ser produzidas. Eu vi o filme, e como os restantes aluno da ESTC senti-me orgulhoso por ver um filme da nossa escola no Estoril, no entanto, quando o filme acabou, senti uma enorme vergonha por ter batido palmas quando "ESTC" apareceu nos crédito iniciais. Eu não sou contra o ICA financiar as curtas da ESTC, até seria ridiculo eu ou o Diogo sermos contra esse apoio, visto que somos alunos na ESTC.

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  6. É costume os alunos dos primeiros anos, os "mais novos" terem precisamente o mesmo olhar insinuante e censurador perante os filmes já feitos. Mas com o tempo poderão compreender como funcionam as coisas; se o Diogo, autor deste blog, pensa que que o filme do Jorge não "revitaliza" o "cinema português" contemporâneo, acho que é uma boa altura para começar a pensar em filmes/exemplos que o façam, e, pela forma como fala, suponho que conheça profundamente a cinematografia nacional e os seus traços identitários.

    Pergunto-lhe a si, e ao Pedro, que vem em sua defesa, que parâmetros podem então ser "definidos" para mudar o "amadorismo" e acrescentar "algo de novo" (porque, aparentemente, os filmes que viu não o fizeram). É fácil levantar questões e problemas, mas encontrar soluções é bem mais recompensador, faz de nós seres melhores (é a minha mera opinião).

    Se são alunos da ESTC, como até há bem pouco tempo eu mesma fui, saberão (se não o sabem já) como se processam os filmes curriculares: é o ICA que assina protocolos com a ESTC; é a ESTC que delibera a forma como essas verbas são divididas pelos três anos da licenciatura; são os professores de Seminário os primeiros responsáveis pelos projectos porque são eles quem os seleccionam em pitching; os alunos fazem filmes sob a alçada e orientação de docentes (há autonomia, mas não conheço nenhum projecto que tenha sido feito com liberdade total, excepto os de Laboratório Experimental ou aqueles feitos no âmbito da cadeira de documentário dada pelo Luís Fonseca); e, por fim mas não menos importante, há um docente especificamente responsável pela triagem e selecção dos filmes que vão para festivais (e para que festivais vão). Posto isto, a única coisa que queria acrescentar é o facto de não vos pretender iludir - nem criticar - mas de elucidar. Porque razão se condena um aluno de escola, cujo filme foi seleccionado para ir a um festival? Além do mais, caros colegas (em certo sentido, não levem a mal), os apoios do ICA, tanto quanto sei, são atribuídos para a produção, trabalhei como Directora de Produção e como Directora Artística (já viram o filme do Jorge filmado no estúdio? Experimentem: parece um autêntico escritório e também precisamos de pensar nos nossos pontos positivos e no que vamos atingindo), sei que o dinheiro é investido em gasolina, que os actores não recebem, que as compras de adereços são limitadas, pelo que não se trata de um apoio financeiro que se traduza em dinheiro "esbanjado". E se acham censurável o apoio do ICA (ou, pelas vossas palavras, o uso que os realizadores fazem desse próprio apoio), então aconselho vivamente um estudo longo e aprofundado das longas e curtas apoiadas ao longo dos anos, por concurso.

    Haveria muito mais a esclarecer, mas por agora desejo-vos apenas bom trabalho e a cabeça no lugar; nunca apostei na postura passiva-agressiva que parece haver entre os anos, nem tão-pouco dentro das turmas: não é produtiva, posso garantir. Também terei todo o gosto em conhecer-vos pessoalmente, coisa que não me estranharia que tivesse lugar futuramente, já que estou a trabalhar no CIAC a tempo inteiro e é bem provável que vos conheça de vista.

    Cumprimentos.

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  7. NOTA: A minha resposta segue em três partes, por questões de HTML.

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    Em primeiro lugar, antes de tratar da questão que a traz aqui, quatro notas breves: 1) não levei nem levo nada a mal, não reconheci qualquer agressividade na sua resposta nem tentei imprimir esse sentido na minha; 2) se o que o Pedro fez foi vir em minha defesa, fê-lo por iniciativa própria, mas posso adiantar que partilhamos de posições idênticas nesta questão, pelo que, mais do que tudo, veio em sua defesa; 3) sublinho com veemência que isto não se trata de qualquer ataque ao Jorge ou a qualquer outra pessoa que tenha trabalhado no filme; 4) terei todo o gosto em conhece-la pessoalmente e em, eventualmente, continuar esta discussão - apesar de, pelo menos para já, manter a minha posição, só temos é a aprender com estas coisas, e o seu olhar mais maduro e experiente só poderá contribuir para a minha melhor assimilação da realidade.

    Quanto ao olhar "insinuante e censurador" com que, segundo diz, os primeiros anos olham para os trabalhos feitos, ainda não posso tecer grandes considerações visto que é realmente com desconfiança que olho para a situação e, sim, sou apenas do primeiro ano. Quando fala em "com o tempo poderão compreender como funcionam as coisas", note que expliquei que reconheço que as condições materiais não são as melhores mas que, ainda assim, acho que estamos num caso particular de "mau filme".

    Não, não acho que o filme do Jorge revitalize o cinema português contemporâneo. E o facto de estar na Escola é prova da minha vontade em fazer filmes/exemplos que o façam e, garanto-lhe, penso nisso. Se tal não acontecer, podem haver duas razões: 1) não tenho talento e, aí, se eu não o conseguir ver, quero que mo digam; 2) não tenho condições (se bem que este é um argumento facilmente desmontável porque uma produção inteligente pode fazer coisas fenomenais). De qualquer forma, num caso ou noutro, há que dar tempo, admito - as pessoas demoram a evoluir. E é por isso que não deixarei de ver os filmes do Jorge à medida que forem saindo.

    Sobre os traços identitários da cinematografia portuguesa, o meu conhecimento pode não ser assim tão profundo, mas aquele que vou adquirindo tem sido, em geral, desilusão atrás de desilusão. Dos que vi este ano, posso falar do "Duas Mulheres" (João Mário Grilo) e do "A Espada e a Rosa" (João Nicolau), que estão no leque do “pretenciosismo” (voluntário ou não). São filmes (e não falo das pessoas, mas sim dos filmes) que não querem saber do público para nada, são filmes que não se preocupam com uma construção da narrativa decente, e que se afundam em pseudo-metafisiquices. Do outro espectro, podemos olhar para aquelas coisas do "Marginais" e afins, que são filmes que falam de coisas de que não sabem falar, completamente estereotipados e com o carimbo de venda rasca estilo "TVI". Ou temos filmes como "Um Funeral à Chuva", com uma produção louvável, em que o argumento é muito fraco, repleto de clichês (e note que eu fiz um balanço positivo do filme, apesar de tudo). E, se formos ver o filme mais recente que vi, dos "antigos", esse foi "Quem és tu ?", de João Botelho, que até a Veneza foi (respondendo um pouco ao seu argumento de "ir a festivais", que voltarei a tratar em baixo) e que é uma autêntica anedota.

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  8. (CONTINUAÇÃO)

    E, portanto, o que é que eu acho de comum em tudo isto ? Num dos lados ("Sexo, Drogas e Soraia Chaves"), há um problema de argumento e de visão artística (que não existe). No outro, há um problema de argumento. Sim porque, muitas vezes, a desculpa é a de que a fotografia e os planos são bonitos - ora, um filme é uma história, e uma história é uma coisa com um poder monumental no mundo e, por isso, é preciso saber contar histórias. Por exemplo, o Mistérios de Lisboa, também recente (apesar de o realizador ser chileno), é um filme visualmente muito bonito, mas com um argumento de que não consigo gostar (fruto do romantismo de Camilo Castelo Branco) e uns diálogos absolutamente horríveis.

    Se há excepções, eu acho que há, claro, embora alguns não concordem comigo (ex: "Alice"). Se me pedir para concretizar mais o amadorismo, não sei, dou-lhe o exemplo de um Workshop que vai ser agora realizado por Tiago Santos (que João Nunes apelida de “um dos mais experientes guionistas portugueses”), que recomenda, como filmografia, as seguintes pérolas: “Call Girl” e “A Bela e o Paparazzo” (se foi o ele que os escreveu ou não, não me interessa; os outros dois, não conheço).

    Eu não sei se vou conseguir, espero sinceramente que sim, mas pelo menos actualmente, não conseguimos criar personagens cativantes, com histórias e conflitos bem feitos e bem construídos, que saibam ser originais, que contornem clichês, que saibam despertar o interesse emocional do público. E agora vai-me dizer, e com toda a razão, que isto é muito bonito de se dizer assim, porque as pessoas é que, pura e simplesmente não vão ver cinema português. E está certa. E eu respondo-lhe que é por isso que não precisamos de coisas que queiram apenas ir a Cannes (porque é muito profundo e intelectual) mas também à Academia (sim, não duvido que fosse um bom "boost"). É possível conciliar ? Claro, há imensos exemplos. E reparemos: todos esses exemplos são capazes de contar grandes histórias, com temas profundos, com grandes personagens.

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  9. (CONTINUAÇÃO)

    Ainda neste assunto, deixo aqui a sugestão que me foi dada, e que ainda não fiz, feita por um professor meu, e que, diz ele, confirmará e será um bom exemplo final para tudo isto: "Como Desenhar Um Círculo Perfeito" (Marco Martins) vs "Canino" (Giorgos Lanthimos) - supostamente, diz ele, são os dois a mesma história; um bem contado, outro mal contado. Como lhe digo, é apenas uma coisa que ainda vou fazer, foi apenas uma introdução, quiça um desafio. Quando o fizer, deixarei a minha opinião aqui.

    E já me alonguei demais neste ponto, passo para o seguinte: o facto de não nos devermos iludir, face ao processo de selecção do filme na Escola e face à sua selecção para um festival.

    Quanto ao processo, como lhe disse antes, isso fez parte da minha crítica - lá porque alguns professores (muito poucos, como evidenciou) passaram o filme, não significa que o mesmo tenha mérito (acredite, e provavelmente até o sabe bem melhor que eu que há professores que não o apreciam particularmente).
    Quanto a ir a festivais, ao IndieLisboa, neste caso, não acho que esse argumento seja assim tão inquestionável como interpretei que o quis fazer parecer. O festival não é um soberano. Os festivais e os Oscares estão cheios de filmes maus. Por exemplo, eu adoro a fotografia de "Arena" (João Salaviza), mas acho que o argumento está demasiado insuficiente para ganhar uma Palma de Ouro, especialmente comparando com outras que já venceram o prémio (por exemplo, "Le Bateur du Bolero", "The Lunch Date", "Omnibus"). Como vê, não acho o "Arena" um bom filme só por ter vencido um prémio de tamanha magnitude (e, no entanto, gosto do "Duas Pessoas", do mesmo realizador).

    Não vi o filme do Jorge em estúdio mas, se gostar, serei o primeiro a afirma-lo com convicção - aliás, no âmbito da nossa discussão, se acontecer, fa-lo-ei no blog.

    Acusa-nos de censurarmos o apoio do ICA. Refere-se a uma censura no geral ou para este filme ? No primeiro caso, interpretou-me mal; no segundo, sim, é isso. Censuro a forma como os professores deixaram passar este projecto, que consumiu recursos que podiam ter sido aproveitados para outros projectos que chumbaram e que tenho fé que conseguiam ser bastante melhores.

    Assim termino e peço desculpa se me alonguei. Não vou rever erros de construção nem ortográficos, pelo que também peço desculpa pelos mesmos.

    (FIM)

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