"Mais um filme português ...
Quando estamos num país como Portugal e falamos de cinema, o primeiro nome que vem à cabeça de qualquer compatriota é, na sua maioria, o de Manoel Oliveira. Lá fora, um nicho muito especifico do nosso cinema é apreciado e aplaudido por meia dúzia de críticos, e talvez elogiado em dois ou três festivais internacionais. Para contrariar esse nicho de que falo em cima, surge uma geração de realizadores que procura arrebatar o culto do ‘blockbuster’ em Portugal e, porque não, fazer-nos gastar uns trocos para além do que já gastamos a ver o filme ‘tuga’, em pipocas e Coca-Cola. É daí que surgem os ‘Leoneis Vieira’, os ‘Antónios-Pedros Vasconcelos’, e os ‘Fernandos Fragatas’.
Em Marginais surge-nos um jovem realizador chamado Hugo Diogo, que depois de três anos conseguiu acabar um filme que teve problemas a vários níveis, parecendo destinado a nunca ver a luz ao fundo do túnel. Com um elenco composto por algumas caras conhecidas, e outras completamente a fazerem a sua estreia, Marginais é um filme ao estilo da narrativa de Guillermo Arriaga, não no que se refere à estrutura não linear, mas especificamente numa narrativa que converge o destino de todos os personagens. Temos o personagem Carlos, interpretado pelo conhecido actor de telenovelas José Fidalgo, que gere um ginásio destinado essencialmente ao treino de artes marciais, aplicadas posteriormente em lutas ilegais, onde Cão (Hugo Caroça) é o seu braço direito. Maria (Patrícia André) é a mãe solteira vitima de violência doméstica por parte do pai, que mantém uma relação dupla com Carlos e com o seu irmão Lucas (Fernando Martins). Para completar o leque de histórias temos a filha de Maria, Ana (Inês Guimarães), que para sobreviver às negligências da mãe, mergulha no seu mundo de ingenuidade, procurando companhia e afecto no vizinho de cima, um individuo estranho mas gentil.
O grande problema desta nova vaga que tenta assolar o cinema português é muito fácil de identificar. O problema está na carga brutal de influências que todos estes realizadores tentam a todo o custo introduzir nos seus filmes. Esquecem-se é que estamos num país em que as verbas utilizadas e os apoios existentes na execução do cinema em Portugal são escassos, e dificilmente haverá probabilidade de se fazer algo como vemos em Hollywood. Nos mais recentes como Arte de Roubar (2008), de Leonel Vieira, tudo o que vemos é um filme de Quentin Tarantino caso ele quisesse fazer uma cópia cocaínada e rafeira dos seus próprios filmes, e obviamente as referências de outros realizadores não acabam por aí. Fernando Fragata fez a versão telenovela de Twilight Zone (1954) com Contraluz (2010), e Hugo Diogo tentou fazer uma espécie de Clube de Combate (1999) com tons melodramáticos, onde tudo em Marginais cheira, e soa, a forçado.
Não demora muito tempo a perceber porque é que Marginais não é de todo um bom filme. Os três anos que passaram desde as filmagens e os problemas que originaram este atraso no lançamento do filme são óbvios. A longa-metragem sofreu processos de pós-produção que são evidentes durante o próprio visionamento, a nível de argumento, que parece por alturas adoptar estilos completamente diferentes, nomeadamente cenas com diálogos extensíssimos, com conteúdos a levantarem questões existencialistas, como depois temos cenas de acção baratas, com diálogos e interpretações irritantes, intervaladas por ‘bits’ musicais de artistas de hip-hop português. Porquê? Para criar ritmo num filme demasiado forte e dar tempo ao espectador para respirar?! Não creio. Tapar buracos parece-me a justificação mais plausível para esta ‘estranha’ abordagem, que se de facto queria primar pela originalidade, então prima pelo absurdo completo.
Se o argumento não funciona, pois a história, os personagens, e tudo aquilo que compõe um argumento não cativa minimamente, reinando o cliché total, então no mínimo se o filme é de acção, espera-se que haja acção. No entanto, as cenas das lutas ilegais roçavam a coreografia total, sem nenhum sentido de realidade, de brutalidade, de veracidade nas sequências, sendo que o principal problema está directamente relacionado com a pobreza dos efeitos sonoros criados para este filme. O Touro Enraivecido (1980) seria um exemplo a seguir no que toca a efeitos sonoros. Em termos de cinematografia, até podemos dizer que a fotografia não está má de todo, proporcionando tons apelativos, capazes de nos envolverem com o ambiente que o filme pretende. A banda sonora, falando especificamente da composição, entra em total desacordo em determinadas sequências do filme, ajudando a que o ‘overacting’ dos actores seja por vezes muito doloroso para o espectador aguentar sem pôr as mãos à cabeça.
Resumindo, Marginais vai directamente para a prateleira dos filmes portugueses que tentaram imitar alguém, ao invés de criarem algo verdadeiramente genuíno. Se estes filmes são incentivados pelo Estado, e o resultado final passa pela experiência de Marginais, então é preciso reavaliar seriamente a quem é que o dinheiro anda a ser distribuído. Para ser criada uma estrutura comercial, que produza filmes aspirantes ao estatuto de ‘blockbuster’, é preciso primeiro um esforço, uma união que passa por muito mais que apenas imitar as cenas ‘cool’ dos filmes de Hollywood. É preciso solidez em todos os aspectos, porque só os grandes como Michael Mann, James Cameron, John McTiernan e uma porrada deles conseguem, mas depois de um produto consistente, prontíssimo a deixar a sua marca." "