Só grandes notícias para os fãs da saga, que vou tentar expor quase por tópicos.
Howard Shore, que magistralmente compôs a banda sonora dos três primeiros filmes estará de volta para as nossas viagens ao Shire nos próximos anos.
Já podemos conhecer algumas das modificações levadas a cabo na Nova Zelândia, para a criação dos devidos décors (cliquem aqui).
Peter Jackson será o primeiro realizador a filmar com as novíssimas câmaras EPIC, que gravam em HDx, uma qualidade superior ao HD (pode chegar aos 9334x7000 pixels) e filmam até 128 frames por segundo. Se quiserem saber quantas destas irão ser utilizadas ... Trinta !
Tuesday, November 30, 2010
Saturday, November 27, 2010
Dogtooth / Canino (2009)
"Quando o teu canino direito cair, podes sair de casa em segurança. Ou o esquerdo. Não faz diferença.". É em pleno açoite ao patinho mais feio da Europa dos 27, por parte dos mercados internacionais e do próprio FMI, que surge um dos melhores filmes não só do ano mas dos últimos anos.
Canino, do jovem realizador Yorgos Lanthimos, é um estudo filosófico, sociológico e antropológico, mangificamente bem conduzido, sobre a condição humana: a eterna dicotomia entre a prisão física, intelectual e sentimental e os puros instintos de as combater, a aflição da sobrevivência. Algo inevitável e inafastável - a propulsora curiosidade e sede de conhecimento do Homem, que o tem feito sair do escuro e das trevas, século após século. Um hino a algumas das reflexões mais profundas que a nossa espécie alguma vez fez, desde a originária, magoada e revoltada Alegoria da Caverna, de Platão, à bicuda e cáustica intervenção iluminista de Kant.
A câmara surge, desde início, tão autista como as personagens - os planos em que apenas as enquadramos da cintura para baixo, com as suas pernas e pés em foco, os enquadramentos das suas expressões de forma desajustada, irregular, cortada. A própria é, além disso, distante. São muito pouco utilizadas as grandes escalas e seguimos toda a acção como se uma barreira nos separasse, quem sabe a mesma barreira que circunscreve o espaço do filme.
O argumento é brilhante, com uma narrativa inteligente e sagaz, que na passividade inconsciente das personagens em combater a sua condição, cria uma progressiva evolução em direcção à questionabilidade, ao arriscar, ao espreitar, a um soltar de amarras e aflitivas correias. Várias pistas vão sendo deixadas ao longo dos noventa minutos sobre o estado momentâneo daquela família e dos cliques de nova fase que ameaçam surgir - como a associação que fazemos entre uma cena inicial, em que os filhos discutem sobre quem ficará com o avião se este cair, e uma cena mais tardia, em que a mãe deixa cair um avião de brincar, numa diferença que as "crianças" não sabem distinguir. Ou uma primeira fase, em que uma das filhas apenas espreita para dentro do quarto enquanto a mãe fala ao telefone, para uma segunda fase em que discute isso com a irmã, para uma terceira fase em que ela própria avança clandestina na direcção do misterioso objecto.
Uma jornada que segue a vida de três filhos já adultos que sofrem uma educação condicionada (a caverna), que lhes tolda o significado da vida: o significado do berço (dar à luz é um instrumento de manipulação e estratégia); o significado das palavras (enfraquece a essência linguística da comunicabilidade); o significado do corpo (do amor, do sexo, do gesto, do movimento); o significado da moral (o incesto, o paralelismo com os cães, em sons e acções); o significado dos sentimentos (da liberdade, da afecção).
Um minimalismo luminoso e esbranquiçado, silencioso e enclausurante, que nos transporta para um final cuja continuação não sabemos se queremos ver, já que daí resultará a restrição perpétua, castigo da revolução, ou, enfim, a luz e harmonia no alcance de novas realidades, como o admirável voo do avião que nunca cai.
Labels:
Anos (20)00,
Cinema Grego,
Críticas,
Drama,
Yorgos Lanthimos
Sunday, November 21, 2010
Harry Potter and the Deathly Hallows- Parte 1 (2010)
Há duas coisas que sempre vão toldando a expectativa com que vou vendo os filmes, um por um, um após o outro, ano após ano: a por vezes inconsciente ânsia de ver numa tela o fantástico mundo que ocupa um lugar de ouro no meu universo imaginário e os trailers, sempre tão bem feitos, que fazem fazem parecer tal evento um acontecimento gigante e glorioso. Tem sido por isso que, desde há dez anos, venho saindo cada vez mais desiludido da sala de cinema, cabisbaixo, irritado com o tratamento que vem dando às coisas.
Apesar de ontem não ter assistido a nada perfeito, estou muito contente por poder dizer: até hoje.
Em termos de adaptação literária, com alívio por fazerem um filme de duas partes e pena por não o fazerem com cinco ou seis, não consegue deixar de pecar por ter de abarcar uma monstruosidade de histórias, historinhas, lendas, mitos, descobertas, de e para tantos personagens diferentes, em tantos locais diferentes, com tantas coisas paralelas a acontecer. Continuo a insistir que Severus Snape é uma peça fundamental em toda a história, principalmente nos últimos dois livros, sendo que só apareceu uma vez, durante um minuto (segue as opções do sexto filme, que lhe tirou qualquer protagonismo, que poderia utilizar agora). Na verdade, acho que mesmo em termos cinematográficos teria contribuído para a atmosfera mais adulta e terrorífica que este volume adquiriu, deixando para trás as réstias do carimbo de filme juvenil que ainda o marcavam muito.
Sendo impossível contornar esta insuficiência de argumento, a diferença para com os outros filmes é o facto deste conseguir introduzir, fora Snape, tanto quanto é essencial e motivador das acções, percursos e relações dos três jovens feiticeiros. Se em "Harry Potter e o Príncipe Misterioso" há uma frustradíssima tentativa de pegar no aspecto humano da equipa, nomeadamente através do amor entre Ron e Hermione e entre Harry e Ginny, aqui é com grande sucesso que Yates revela os laços do trio como grande força motriz para Harry e para toda a restante empresa. Não descura o fantástico da magia e imprime uma maior carga psicológica nas próprias personagens, algo que até então nunca tinha saltado dos livros. Na verdade, o realizador consegue uma montagem manipuladora, grande condensadora temporal, que lhe permite enveredar por esses caminhos e ainda assim ter espaço para comunicar ao espectador as pistas sem as quais não existira sequer história.
Quem também merece grande destaque é o nosso caro Eduardo Serra. Não tenho dúvidas de que o verdadeiro ponto forte do filme é a belíssima imagem, que não se resigna a essa classificação, impondo-se também como uma imagem inteligente. Grandes e fabulosas são as paisagens a que recorre Yates, mas todas elas surgem com sentido, com uma contribuição avassaladora para o progredir narrativo e para complementar o estado de espírito das personagens. Quando a isto se acrescentam dispositivos de direcção que nunca tinha visto serem usados num filme de Harry Potter, como a steadicam tremida que lhe confere um rasgo de realismo imediato, os extraordinários desenhos com que é contada a História dos Três Irmãos ou a cena completamente forjada e improvisada da dança entre Harry e Hermione, que acabo por ver como crucial, só posso fazer um balanço muito positivo.
Os efeitos especiais, feitos pelos melhores do mundo, são inafastáveis, de tão extraordinários que são, em todas as cenas a que a eles se recorra. O sector artístico está lá e está lá muito bem, fazendo um grande complemento à bonita fotografia que referi. A música, que desta vez passa bem mais despercebida, apesar de vir de Desplat, consegue criar o ambiente a que se propõe - de qualquer forma, podia ter dado ainda mais força ao filme.
Notas finais para os actores. Deliciosos momentos de humor, especialmente a cargo dos irmãos Phelps (os gémeos), Ruper Grint (Ron) e Toby Jones (Dobby). Emma Watson, melhor do que nunca, rouba completamente a cena do retorno de Ron e faz, pela primeira vez em dez anos, verdadeiro jus à personagem (depois de andar sempre lá perto) e afirma-a como uma das mais incríveis e importantes da história.
Por agora, vou esperar por Julho para tecer considerações mais completas, já que as duas partes formarão um só filme, altura em que não evitarei dissertar sobre os sete, fruto da nostalgia que me irá assolar o espírito.
Enfim, senhoras e senhores, Harry Potter e os Talismãs da Morte traz o primeiro troféu de óptimo filme, para a saga.
Apesar de ontem não ter assistido a nada perfeito, estou muito contente por poder dizer: até hoje.
Em termos de adaptação literária, com alívio por fazerem um filme de duas partes e pena por não o fazerem com cinco ou seis, não consegue deixar de pecar por ter de abarcar uma monstruosidade de histórias, historinhas, lendas, mitos, descobertas, de e para tantos personagens diferentes, em tantos locais diferentes, com tantas coisas paralelas a acontecer. Continuo a insistir que Severus Snape é uma peça fundamental em toda a história, principalmente nos últimos dois livros, sendo que só apareceu uma vez, durante um minuto (segue as opções do sexto filme, que lhe tirou qualquer protagonismo, que poderia utilizar agora). Na verdade, acho que mesmo em termos cinematográficos teria contribuído para a atmosfera mais adulta e terrorífica que este volume adquiriu, deixando para trás as réstias do carimbo de filme juvenil que ainda o marcavam muito.
Sendo impossível contornar esta insuficiência de argumento, a diferença para com os outros filmes é o facto deste conseguir introduzir, fora Snape, tanto quanto é essencial e motivador das acções, percursos e relações dos três jovens feiticeiros. Se em "Harry Potter e o Príncipe Misterioso" há uma frustradíssima tentativa de pegar no aspecto humano da equipa, nomeadamente através do amor entre Ron e Hermione e entre Harry e Ginny, aqui é com grande sucesso que Yates revela os laços do trio como grande força motriz para Harry e para toda a restante empresa. Não descura o fantástico da magia e imprime uma maior carga psicológica nas próprias personagens, algo que até então nunca tinha saltado dos livros. Na verdade, o realizador consegue uma montagem manipuladora, grande condensadora temporal, que lhe permite enveredar por esses caminhos e ainda assim ter espaço para comunicar ao espectador as pistas sem as quais não existira sequer história.
Quem também merece grande destaque é o nosso caro Eduardo Serra. Não tenho dúvidas de que o verdadeiro ponto forte do filme é a belíssima imagem, que não se resigna a essa classificação, impondo-se também como uma imagem inteligente. Grandes e fabulosas são as paisagens a que recorre Yates, mas todas elas surgem com sentido, com uma contribuição avassaladora para o progredir narrativo e para complementar o estado de espírito das personagens. Quando a isto se acrescentam dispositivos de direcção que nunca tinha visto serem usados num filme de Harry Potter, como a steadicam tremida que lhe confere um rasgo de realismo imediato, os extraordinários desenhos com que é contada a História dos Três Irmãos ou a cena completamente forjada e improvisada da dança entre Harry e Hermione, que acabo por ver como crucial, só posso fazer um balanço muito positivo.
Os efeitos especiais, feitos pelos melhores do mundo, são inafastáveis, de tão extraordinários que são, em todas as cenas a que a eles se recorra. O sector artístico está lá e está lá muito bem, fazendo um grande complemento à bonita fotografia que referi. A música, que desta vez passa bem mais despercebida, apesar de vir de Desplat, consegue criar o ambiente a que se propõe - de qualquer forma, podia ter dado ainda mais força ao filme.
Notas finais para os actores. Deliciosos momentos de humor, especialmente a cargo dos irmãos Phelps (os gémeos), Ruper Grint (Ron) e Toby Jones (Dobby). Emma Watson, melhor do que nunca, rouba completamente a cena do retorno de Ron e faz, pela primeira vez em dez anos, verdadeiro jus à personagem (depois de andar sempre lá perto) e afirma-a como uma das mais incríveis e importantes da história.
Por agora, vou esperar por Julho para tecer considerações mais completas, já que as duas partes formarão um só filme, altura em que não evitarei dissertar sobre os sete, fruto da nostalgia que me irá assolar o espírito.
Enfim, senhoras e senhores, Harry Potter e os Talismãs da Morte traz o primeiro troféu de óptimo filme, para a saga.
Labels:
Anos (20)10,
Críticas,
David Yates,
Drama,
Eduardo Serra,
Fantasy,
Romance,
Sagas
Friday, November 19, 2010
The Social Network / A Rede Social (2010)
A minha crítica será muito curta, já que vou parafrasear João Samuel Neves, do nosso caro Dial P for Popcorn, com o qual concordo de tal maneira, que quis fazer das suas palavras as minhas. Acrescento algumas notas, no final.
"Há pessoas que são neutras. Nem demasiado boas nem demasiado más. Sem empolgarem mas também sem criarem ódios de estimação. Que passam e não são recordadas. The Social Network é um filme neutro. É um bom filme, um filme que vale os cinco euros dos bilhetes e que certamente levará ao rubro a disputa entre os três canais generalistas para o transmitir numa tarde de domingo. Mas não é, de perto, um grande filme. Eu gostei (melhor a segunda parte do que a primeira), mas não o coloco num altar nem tenho vontade de o rever. (...)"
Na verdade, A Rede Social abre com um diálogo brilhante, uma qualidade que vai pautar as restantes falas do filme. A personagem principal está extremamente bem desenvolvida e gostava de ver Eisenberg nos Óscares. A montagem fez um óptimo trabalho na captação do ritmo da acção, conjugando muito bem o rápido bater do teclado, a dicção acelerada dos empreendedores, o fulgor dos raciocínios. No entanto, apesar de reconhecer e sentir que os temas, ou, se houver, O Tema, estão lá (a amizade e lealdade contra a instrumentalidade da fama e da ganância; a integridade; a solidão intelectual e contemporânea, entre outros passíveis de interpretação), apesar de ver aqui um retrato cinematograficamente interessante do processo de gestão e marketing, no final, senti que pouco se tinha passado. Pareceu tudo de repente, despercebido, leve. Creio que, no meio de um conflito que vinha a ser bem construído, falta um climax que o complemente. E isso parece-me ser um problema de estrutura de argumento - as consequências de tudo o que se ia passando iam-nos sendo mostradas, em paralelo (o que, por si só, lhes tira impacto) e por diálogos, em vez de ser por imagens ou acções (tira-lhe encanto e mais impacto). Foi desvanecendo, o filme. É como se fossemos subindo, subindo, subindo e quando estamos mesmo a chegar lá cima, mandam-nos descer. Corre mal e é estranho. Não soa bem. É como diz o João, "neutro".
Labels:
Aaron Sorkin,
Anos (20)10,
Críticas,
David Fincher,
Drama,
Jesse Eisenberg,
Romance
Tuesday, November 16, 2010
O Cinema e a Moda: uma parceria blogosférica
Poucas vezes, excepto quando no meio da lista dos vencedores dos prémios da Academia, conferimos a devida importância, nas nossas análises e divagações cinematográficas, ao guarda-roupa, fundamental elemento da mise-en-scene.
Na confluência que o Cinema é de todas as artes, não falta, pois, espaço para a também nobre forma de expressão que é a Moda, poderoso veículo de criação de mood e de progressão narrativa. Desde o simplismo irónico e cáustico de Alex de Large ("A Clockwork Orange"), ao italo-americano de "The Godfather", passando pelo cocquetismo de "Playtime" ou "Mon Uncle", é inegável a participação do design, do tecido, da cor, do pormenor, enfim, do vestuário, que tanto diz sobre cada um de nós e, como tal, de cada uma das personagens.
O A Gente Não Vê inicia assim aquele que se espera ser um frutuoso percurso de uma parceria com o Bouttique (cliquem), um blog de moda, escrito por uma cinéfila, como todos nós, em que, por iniciativa própria, a convite meu ou seguindo iniciativas minhas (num certo paralelismo), escreverá sobre o guarda-roupa de alguns filmes, analisando a forma como o mesmo contribui para o resultado final.
Convido-vos a visitarem, desde já, o respectivo segundo elemento desta facção, que começou hoje mesmo com o seu primeiro filme: Edward Scissorhands, de Tim Burton.
Monday, November 15, 2010
EFF'10: Vencedores
Havia eu perspectivado fazer uma última crítica, ao "You Will Meet a Tall Dark Stranger", o novo filme de Woody Allen, que encerrou a edição 2010 do Estoril Film Festival, mas, infelizmente, não tive oportunidade de o ver. Estarei no cinema, quando lá chegar.
Deixo-vos com os vencedores, depois de notar que, dos filmes e masterclasses a que assisti, o balanço é muito positivo, e de me despedir do festival até para o ano e do Estoril, quem sabe, até ao verão.
PS: De todos os filmes em competição a que assisti, que foram apenas curtas-metragens, venceu aquele que achei mesmo ser o melhor: Sredni Vashtar.
Prémio Melhor Filme
Tilva Rosh, de Nikolai Lezaic
Prémio Especial do Júri João Bénard da Costa
Isabelle Huppert em Copacabana
Prémio Montblanc Melhor Argumento
Reverse Motion por Andrey Stempkovsky, Anush Vardanyan e Givi Shavgulidze
Menção Honrosa
Zaur Bolotayev pela Direcção de Fotografia em Reverse Motion
Prémio Cineuropa
Tilva Rosha (Sérvia)
Menção Especial
Song of Tomorrow (Suécia), de Jonas Holmstrom e Jonas Bergergard
Prémio MEO Melhor Curta-Metragem
Sredni Vashtar, de Alana Osbourne
Sing Me Too Sleep, de Mgnus Arnesen
Menção Especial
Le Dérnier Instant, de Bouchra Moutaharik
Prémio L'Óreal Jovem Talento
Joana de Verona
Prémio Concurso Curtas-Metragens Canon
ETIC (Escola Técnica de Imagem e Comunicação)
Prémios Especiais
John Malkovich
Marisa Paredes
Alberto Garcia-Alix
Baltasar Gárzon
Giya Kancheli
Tilva Rosh, de Nikolai Lezaic
Prémio Especial do Júri João Bénard da Costa
Isabelle Huppert em Copacabana
Prémio Montblanc Melhor Argumento
Reverse Motion por Andrey Stempkovsky, Anush Vardanyan e Givi Shavgulidze
Menção Honrosa
Zaur Bolotayev pela Direcção de Fotografia em Reverse Motion
Prémio Cineuropa
Tilva Rosha (Sérvia)
Menção Especial
Song of Tomorrow (Suécia), de Jonas Holmstrom e Jonas Bergergard
Prémio MEO Melhor Curta-Metragem
Sredni Vashtar, de Alana Osbourne
Sing Me Too Sleep, de Mgnus Arnesen
Menção Especial
Le Dérnier Instant, de Bouchra Moutaharik
Prémio L'Óreal Jovem Talento
Joana de Verona
Prémio Concurso Curtas-Metragens Canon
ETIC (Escola Técnica de Imagem e Comunicação)
Prémios Especiais
John Malkovich
Marisa Paredes
Alberto Garcia-Alix
Baltasar Gárzon
Giya Kancheli
Sunday, November 14, 2010
EFF'10: The American (2010)
Esperava ver um filme tipicamente americano, com tiros e jogos de espiões espalhados por noventa minutos de forma completamente formatada, com um protagonista ultra-confiante e bonitão, que acabaria por fugir com alguma mulher, no final. Confesso que não tinha visto o trailer e que era isso que o poster e alguns screens me diziam.
The American, de Anton Corbijn, acaba por ser uma surpresa agridoce. Por um lado, é uma lufada de ar fresco no thriller de espionagem americano, por outro, é uma lufada de ar fresco que não consegue ser o grande filme que podia ter sido, graças aos buracos que deixa destapados.
Na verdade, para além do título, a única coisa de "americano" que este filme tem é a nacionalidade de Jack/Edward. De resto, tudo é europeu: os locais, uma pequena aldeia situada nas montanhas, no centro de Itália; o ritmo pausado e lento; a atmosfera calma e isolada; a temperatura outonal; um George Clooney perturbado consigo próprio. E tudo isto ergue com mestria um argumento que quer falar não sobre mais uma missão, mais um eloquente assassinato antes da reforma, mais dinheiro, mas sim sobre o conflito interno de um homem que se tem de ir destruindo a ele próprio, tornando inviável o triunfo dos seus sentimentos, enterrando-o cada vez mais no gelo do metal das armas que segura.
Teve de matar uma mulher, com a qual formava uma imagem de ternura invejável, como nos é apresentado nos primeiros minutos do filme. Uma morte não encomendada, simplesmente automática, seca, em função de um injectado instinto de sobrevivência. E é a partir daí que o vemos partir para longe, muito longe, onde se deve esconder e trabalhar numa última missão, em que apenas terá de garantir as condições para a matança, em vez de a protagonizar. Mas, então, penetra na melancolia do topo da montanha, do céu nublado, das ruas desertas de dia e de noite, faz o seu trabalho em apatia e não consegue evitar a procura do contacto físico-emocional na primeira mulher que, prostituta ou não, o acolhe nos braços.
Enquanto seguimos este seu percurso, são-nos dadas pistas sobre o que se passará à sua volta, na conspiração em que participa. E a câmara misteriosa, a montagem irreverente (exemplo: os sucessivos aprés-telefonema), a música que oscila entre o familiar que a ele nada diz e o tenso, vão colocando tudo em causa, aproximando-nos do cenário da mosca no centro da teia de aranha, em que não é possível confiar nos poucos que o circundam. E tudo isto tão subtilmente. E eis que explode o climax, que nos faz respirar com sereno alívio por aquela personagem que só queria calor humano e uma lareira. Mas eis que explode o anti-climax, que nos encerra num aperto por tudo ter sido em vão, por se desvanecer uma felicidade, tão nova neles que até parecia indiferente, por outra coisa não esperarem que a sua dissolução.
Nestes termos, tudo está bem construído, e constitui a lufada de ar fresco. Mas demasiadas questões ficam por responder, tornando inconsistente este encadeado percurso emocional e respectivas motivações. Para quem trabalhava ele afinal ? Porque haveria alguém de o querer matar, para não poder arriscar na cena inicial e para ser o alvo principal durante o tempo todo ? Porquê todo aquele esquema, porque não uma morte à primeira opção ? Porquê o Padre e a sua história de vida, qual a sua relevância ?
Labels:
Anos (20)10,
Anton Corbjin,
Drama,
Estoril'10,
George Clooney,
Romance,
Thriller
Saturday, November 13, 2010
EFF'10: A Espada e a Rosa (2010) & Masterclass: John Malkovich e Stephen Frears
Desilusão atrás de desilusão, é o que tem sido último cinema português que tenho visto. Com uma sinopse extremamente interessante, uma surpreendente participação em Veneza e, uma vez mais, apelidos de "brilhante", "genial" e "divertido", A Espada e a Rosa consegue ser mais um filme que me deixa profundamente indignado pelas opções do ICA e até do FICA (não acredito que alguma vez recuperem o dinheiro).
Com música divertidíssimas e espasmos de diálogos brilhantes, a primeira longa-metragem de João Nicolau é um filme com uma fotografia feia, que não faz sentido absolutamente nenhum, em que os eventos não se encadeiam mas se sucedem (o que causa "desinteresse"), sob uma filosofia completa e deliberadamente non-sense e punch-stupid, cheio de personagens parvas (levadas a cabo por más interpretações, no geral), com um final que é pior do que tudo o resto. Segundo percebi, a intenção era a de criar uma coisa utópica, sem rumo, completamente inconvencional, eventualmente com ramagens da nobre História de Portugal e da popular cultura lusa (os Descobrimentos; o Benfica).
Um filme que a mim não disse nada, um filme de que não precisávamos e um filme em que não pode ser gasto dinheiro do Estado.
Contas feitas, o saldo da noite acabou por ser extremamente positivo. John Malkovich é um incrível bem falante, calmo, sereno, bem articulado, inteligentíssimo, conhecedor do seu meio. Frears também esteve bem e os dois envolveram-se num óptimo debate sobre o seu trabalho em conjunto, que acabou por ser continuado por algumas perguntas da audiência.
As duas melhores saídas do actor foram a sua resposta ao comentário de Frears, quando contou que, quando o abordou pela primeira vez, lhe perguntou porque é que no cinema nunca conseguia ser bom actor (ao contrário do que acontecia no teatro) e a sua resposta à surreal última pergunta, sobre se havia uma realidade paralela congoscível dentro de si, quando interpretava.
Quanto à primeira, uma resposta artística e intelectualmente brilhante. Explicou que, no teatro, os actores têm momentum. Estão em cena constantemente, estão no controlo de cada momento presente, de cada momento futuro e estiveram já no controlo de cada momento passado - estão livres para viver a personagem sem restrições, numa continuidade de personificação. Frears acrescentou, mais tarde, que um bom actor não é sempre bom; está a ser bom. O truque é apanhá-lo nesse momento. Ora, no teatro, diz-nos Malkovich, o actor sabe sempre onde é que se situa na linha da interpretação, sabe sempre se está a ser bom, e pode manipular isso. Já no cinema, tudo está partido em partes, segmentos e, por isso, perde-se esse momentum, essa coerência fluída - diz até que chega a, antes de filmar uma cena, interpretar, primeiro, alguns minutos das cenas anteriores.
Quanto à segunda, uma resposta de um humor genialmente cáustico. "Sim, sim, já há daquelas câmaras que engolimos e que gravam imagens do nosso corpo e que depois são expelidas através do devido mecanismo.". Palmas.
John Malkovich voltará a estar hoje no Festival, para apresentar a sua colecção de moda e amanhã, para ver Mistérios de Lisboa, de um realizador com quem já trabalhou várias vezes. Deixo-vos com uma entrevista, no âmbito do EFF'10, em que fala sobre cinema, festivais, moda e Portugal, onde tem negócios, onde já pensou viver e, especificamente, sobre Manoel de Oliveira, com quem já rodou "O Convento" e "Um Filme Falado".
Entrevista John Malkovich.
Wednesday, November 10, 2010
EFF'10: Encontros de Escolas de Cinema (2ª Sessão)
Decorreu durante a manhã de hoje a segunda sessão dos Encontros de Escolas de Cinema, que consistem na apresentação em público de algumas curtas-metragens de escolas de cinema de toda a Europa, em que o fomento das relações entre umas e outras é o principal objectivo.
Pude assistir a três trabalhos do INSAS (Institut Nationale Supérieur des Arts du Spectacle), da Bélgica; a três trabalhos da ECAM (Escuela de Cinema y Audiovisual de Madrid), de Espanha; a um trabalho da FAMU, da República Chega, Praga e, por fim, um trabalho da ESTC (Escola Superior de Teatro e Cinema), de Portugal.
Houve apenas uma delas, logo a primeira, de que posso dizer que gostei muito: Sredni Vashtar, do ISNAS, realizado por Alana Obsbourne. Contava uma história muito interessante, de um miúdo com fragilidades físicas reais ou, eventualmente, forjadas por uma mãe possessiva, que viva numa assustadora e gigante mansão, e que via, dia após dia, a sua infância ser-lhe negada, por não lhe permitirem sequer sair de casa. É num estábulo que encontra o espaço para ser criança e viver as suas fantasias, que, retratadas de uma forma realmente bonita e fantasiosa mas ao mesmo tempo levemente perturbante, acabam por causar a misteriosa morte da matriarca. A fotografia e o trabalho de concepção visual da cenas foi muito bem conseguido.
De resto, não gostei de nenhuma em particular e todas pecaram pelo argumento. Los Planes de Cecília, de Belén Goméz, da ECAM, evidencia o talento para o marketing, mas a história foi bastante má. Formol, também da ECAM, de Noelia Rodriguez Nesa, tornou-se aborrecida pelo tema pouco interessante e pela demasiada duração que lhe foi dada (15min), mas a tentativa experimental em que consistiu não resultou mal. Roma Boys, de Rozálie Kohoutóva, da FAMU, desinteressou-me por completo no seu tema e na forma de o contar - uma realizador/argumentista narra a sua ideia para o seu próximo filme (um amor homossexual entre romenos), enquanto vemos esse mesmo filme, o que acaba por lhe tornar o trabalho fácil mas ineficaz, já que, por exemplo, em vez de criar situações de tensão, apenas refere que "há tensão". Porém, houve quem tivesse achado bastante graça e tenha visto aqui um certo experimentalismo.
Infelizmente, o grande destaque, que o é pela negativa, vai para Quando o Inverno chega, de Jorge Jácome, da ESTC.
Labels:
Cinema Português,
Críticas,
Curtas-Metragens,
Estoril'10
Tuesday, November 9, 2010
EFF'10: Chantapras (2010) & Masterclass: Otar Iosseliani
Foi com uma estranha sensação de incompletude com que saí da sala de cinema, desta vez. Não por faltar alguma coisa ao filme, porque duvido que falte, porque o senti completo, mas porque não estava preparado para ele. O próprio Paulo Branco, no início da exibição, deixou escapar que a obra seria mais facilmente compreendida por aqueles que conhecessem o trabalho do histórico realizador da Geórgia, grupo no qual eu não me insiro, de todo, ainda.
Gostei bastante das personagens, gostei muito da fotografia. Percebi que há um percorrer de uma jornada, por parte de um realizador de cinema, que se tenta expressar na Geórgia mas é impedido pela censura soviética, partindo para França, em busca da liberdade e democracia, onde a sua sorte não é melhor, acabando por voltar. Mas não consegui perceber mais do que isto.
Os primeiros dez minutos são fabulosos e fazem antever uma história sobre três grandes amigos que terão crescido em volta de mistérios e curiosidades, eventualmente ligados a algum mito, à história, à arte, a lendas, em que talvez tudo fosse dar à própria vida ou às relações humanas. Mas não, nada disso. E, agora, não sei onde raio é que estes belos dez minutos se ligam com os restantes cento e dez.
Não percebi o final, com a sereia.
Enfim, é com muita pena que admito que é um filme que não me chegou e que terei de rever um dia mais tarde, quando estiver mais preparado. Quanto à masterclass, foi curtíssima. Fomos despachados com uma pinta e um requinte impressionantes e, apesar de ter sido de um minimalismo desafiante e interessante, não deixou de saber a pouco e de nos deixar a imaginar sobre o que revolveria na cabeça de Iosseliani.
Labels:
Anos (20)10,
Cinema Algerino,
Críticas,
Drama,
Estoril'10,
Otar Iosseliani,
War
Monday, November 8, 2010
EFF'10: Copie Conforme (2010) & Masterclass: Abbas Kiarostami
No estrangeiro, com homens e mulheres estrangeiras, através de línguas estrangeiras, eis que nos chega um Kiarostami a princípio completamente desconhecido. Desbota o castanho da terra e da pobreza iraniana e surgem os sóbrios tons da Itália rural; caem os actores amadores e caracterizadores de um povo e surgem dois gigantes profissionais da interpretação; desvanece o sibilar farsi e ergue-se o dialecto europeu - francês, italiano e inglês. Do Oriente em recurso para o Ocidente arranjado.
Mas era tudo isto que o realizador iraniano queria e tudo isso confessou na masterclass que se seguiu ao visionamento desta magnífica obra - deixa de parecer outro: voltamos a encontrar-nos com ele durante cem minutos de profunda análise do comportamento humano e da vida e é aí que nos vai falando sobre tanta coisa que nos une enquanto Homens, que faz da nossa Humanidade algo superior à nossa tradição ou nação, que nos liga através de elos mais profundos do que a herança cultural que vamos acoplando e desenvolvendo.
Copie Conforme prima, pois, por um argumento magistral. Simplicíssimo no seu conteúdo efémero e directo mas inalcançável na sua multiplicidade e profundidade de reflexões. A cópia que cada um de nós constitui, a partir das mais diversas influências, será tão definitiva como o seu ponto de partida ? Todos nós somos conjugações de pedaços de tudo. Até que ponto é a nossa autenticidade condicionada pelas nossas raízes (culturais, políticas, interpreto eu), e não tão somente pela nossa humilde condição de partilha de espírito e sentimento humano ?
Mas, no fundo, não conseguimos nunca fugir à nossa condição de cópia, ao nosso eterno destino mimético e é também isso que faz de nós parte em cada outro. A relação que nos trazem William Shimell e Juliette Binoche (provavelmente o seu melhor papel de sempre, que, a meu ver, a afirma claramente como uma das melhores actrizes de todos os tempos) é a relação entre um homem e uma mulher desconhecidos que encarnam, consciente ou inconscientemente, a representação de todos os problemas de um casal contemporâneo, mas que transbordam muito para além do conteúdo do acordo nupcial - são as preocupações existenciais da nossa sociedade - a atenção para com o outro, a solidão, a incomunicabilidade, a mecanização da actividade laboral, a frieza do sentimento.
E quem seria o génio capaz de nos transmitir (digo eu, que esta foi meramente a minha interpretação) tudo isto através do constante recurso ao humor ? Um humor refinado, inteligente, ponderado, delicioso.
A masterclass foi, também ela, uma fantástica experiência. Abbas Kiarostami é um verdadeiro mestre da arte do cinema e da arte da vida. Aos 70 anos, é tanta a experiência que tem para nos revelar e foi com tremenda e avassaladora humanidade que respondeu a uma hora e meia de questões, mais ou menos filosóficas, mais ou menos metafísicas, mais ou menos sociológicas, sempre com palavras certas para tudo, sempre com um discurso ponderado e sapiente, que apenas serviu para cimentar a minha admiração pelo seu magistério.
No final, é com orgulho de uma criança com um autógrafo do jogador de futebol que mostro isto:
Mas era tudo isto que o realizador iraniano queria e tudo isso confessou na masterclass que se seguiu ao visionamento desta magnífica obra - deixa de parecer outro: voltamos a encontrar-nos com ele durante cem minutos de profunda análise do comportamento humano e da vida e é aí que nos vai falando sobre tanta coisa que nos une enquanto Homens, que faz da nossa Humanidade algo superior à nossa tradição ou nação, que nos liga através de elos mais profundos do que a herança cultural que vamos acoplando e desenvolvendo.
Copie Conforme prima, pois, por um argumento magistral. Simplicíssimo no seu conteúdo efémero e directo mas inalcançável na sua multiplicidade e profundidade de reflexões. A cópia que cada um de nós constitui, a partir das mais diversas influências, será tão definitiva como o seu ponto de partida ? Todos nós somos conjugações de pedaços de tudo. Até que ponto é a nossa autenticidade condicionada pelas nossas raízes (culturais, políticas, interpreto eu), e não tão somente pela nossa humilde condição de partilha de espírito e sentimento humano ?
Mas, no fundo, não conseguimos nunca fugir à nossa condição de cópia, ao nosso eterno destino mimético e é também isso que faz de nós parte em cada outro. A relação que nos trazem William Shimell e Juliette Binoche (provavelmente o seu melhor papel de sempre, que, a meu ver, a afirma claramente como uma das melhores actrizes de todos os tempos) é a relação entre um homem e uma mulher desconhecidos que encarnam, consciente ou inconscientemente, a representação de todos os problemas de um casal contemporâneo, mas que transbordam muito para além do conteúdo do acordo nupcial - são as preocupações existenciais da nossa sociedade - a atenção para com o outro, a solidão, a incomunicabilidade, a mecanização da actividade laboral, a frieza do sentimento.
E quem seria o génio capaz de nos transmitir (digo eu, que esta foi meramente a minha interpretação) tudo isto através do constante recurso ao humor ? Um humor refinado, inteligente, ponderado, delicioso.
A masterclass foi, também ela, uma fantástica experiência. Abbas Kiarostami é um verdadeiro mestre da arte do cinema e da arte da vida. Aos 70 anos, é tanta a experiência que tem para nos revelar e foi com tremenda e avassaladora humanidade que respondeu a uma hora e meia de questões, mais ou menos filosóficas, mais ou menos metafísicas, mais ou menos sociológicas, sempre com palavras certas para tudo, sempre com um discurso ponderado e sapiente, que apenas serviu para cimentar a minha admiração pelo seu magistério.
No final, é com orgulho de uma criança com um autógrafo do jogador de futebol que mostro isto:
Labels:
Abbas Kiarostami,
Anos (20)10,
Cinema Iraniano,
Críticas,
Drama,
Estoril'10,
Romance
Sunday, November 7, 2010
EFF'10: Machete (2010)
São muito poucos os filmes cheios de tiros, sangue e pancada no geral, sexo e bad guys, de que costumo gostar, algo em que as noites TVI são especialistas. Além disso, tipos como Jackie Chan ou o presente Steven Seagal são dos actores que mais detesto. Se, por um lado, Machete tinha todos os ingredientes para ser mais uma dessas pérolas, por outro, ou não tivesse estreado em Veneza, tinha potencial para ser um filme que se servisse do seu género e o magistrasse de tal forma que a sua história fosse incrível, com uma intenção e um tema, enterrando uns clichês e dando nova vida a outros, em que a dimensão visual fosse somente sublime. Foi precisamente a esta segunda possibilidade que assisti.
O que aqui se passa é uma luta entre o conservadorismo patriarcal norte-americano, estratégica e financeiramente suportado por um violento magnata mexicano, e a imigração ilegal que nasce da fronteira entre os EUA e o México, que segura uma desproporcional resistência às novas políticas nacionalistas. O que se passa aqui é uma luta e um discurso, sob a forma do mais puro entretenimento, sobre a ancestral diferença que existe entre Lei e Justiça. O que os liga a todos não é apenas um homem, mas antes um mito: Machete, um ex-Federale, um vingativo herói, um Viriato américo-latino. Não é outro senão Danny Trejo, que por melhor que tenha estado, nunca se diga que levou o filme às costas, já que não foi capaz de escapar a um resto de elenco fenomenal: Michelle Rodriguez, Robert De Niro, Jeff Fahey, Cheech Marin e até Jessica Alba e Seagal (Lindsey Lohan não fez nada para além do que ela é, fora a parte da "freira").
O guião parte de um conjunto de lugares comuns que constituem o género de acção e dá uma grande volta a vários deles, acabando por dar uma nova dimensão aos que resistem. Temos, nas primeiras cenas, Mayra Leal a ser encontrada nua, numa nudez sensual e assassina, e não reles, plástica e injectante, que faz parte da matança. Assim, nua e esbelta. E é a parte sex-cool do gangue. Errado: seria, se isto fosse mais um filme dos tais - morre logo a seguir, morta pelo próprio manda-chuva, com um fulminante tiro no olho. Ou a mulher de Machete que morre num piscar de olhos, sem pseudo-negociações que sempre resultam na queda dos bandidos. Ou a destroçante e repentina morte de Luz. Ou o massacre na igreja, sob uma velocidade e debaixo de uma música perfeitas, em que o Padre não leva a melhor, como aconteceria ... bom, já se sabe.
Enfim, falo, essencialmente, da crueza das acções, que constituem os factores ritmo, surpresa e novidade (por exemplo, quem imaginava que Machete não ia fazer sexo com a inspectora ?). E depois somos brindados com deliciosos pormenores que são o que vem erguendo o cinema desde sempre, como a primeira cena com Jessica Alba, em que, ao mesmo tempo que observamos um bando de trabalhadores mexicanos a comprar uns tacos numa roullote latina, ouvimos as notícias radiofónicas sobre as novas políticas de restrição à imigração e, segundos depois, vemos o distintivo da autoridade, "Imigration". Ou como a cena em que Luz não tem gelo e usa um ovo frio, que mais tarde estrela e dá alta ao personagem principal. Mas tantos outros.
E complementando, ou antes, fundando tudo isto, surge uma trama engenhosa, que para mim é uma verdadeira revolução no argumento do thriller político, em que tudo faz sentido, tudo é explicado, em que o espectador participa e conjectura e em que nunca deixa de ficar surpreendido. E, portanto, é criado um ambiente tão alucinante, tão envolvente, a empatia com as personagens é tal que a nossa costela de membro da claque do bem nunca para de vibrar, e é exactamente por aí que resultam os clichês que persistem, até porque, no meio de tudo, nem acreditamos que vão acontecer. Por exemplo: não, não vou dar este exemplo, porque pode estar a ler gente que, já tendo levado com alguns spoilers, não pode levar com este (pista: "What eye ?"). Mas vá, a equipa médica clandestina, constituída por um americano e duas enfermeiras gémeas, sexy, que usam vestidos curtos.
Robert Rodriguez e Ethan Maniquis fizeram o melhor, ao passar tudo para o ecrã. Fotografia extraordinária, décors bem arranjados, claramente informados, que respiram cultura mexicana (exemplo: os carros tunning), uma câmara e uma edição que mostra que há mestres a filmar cenas de acção que, por sua vez, são geniais e sanguinárias. Destaque também para o guarda-roupa e para a magnífica banda-sonora.
Um dos filmes do ano.
Labels:
Action,
Anos (20)10,
Críticas,
Danny Trejo,
Estoril'10,
Robert Rodriguez,
Thriller
Saturday, November 6, 2010
EFF'10: Primeiras curtas de Roman Polanski (1955-1961)
No final da primeira sessão do Estoril Film Festival a que o A Gente Não Vê assistiu, uma conclusão ergueu-se e fundamentou toda uma já construída opinião sobre o realizador polaco, Roman Polanski: é um génio desde, pelo menos, 1955.
Foram várias as curtas-metragens a que assisti e, enquanto que não houve nenhuma de que não tenha gostado, há duas que considero que são verdadeiramente extraordinárias: Bad Boy (Dois Homens e um Armário) e A Passer By (sem tradução).
A primeira conta a história de dois homens que encontram um armário banal, cuja única particularidade é ter um espelho incrustado, que se envolvem numa série de peripécias para tentar vender o seu achado, sempre sem sucesso, acabando por sofrer castigos físicos frutos do puro azar. Tem um certo tom cómico mas o drama é especialmente evidente na cena final, um paralelismo com a cena inicial (algo que se viria a tornar algo trademark, como as mãos a tocar piano, no início e no fim do The Pianist), em que voltam ao mar, para deixar o armário, acabando por desaparecer os dois, de repente, debaixo de uma onda. Adianto que estes breves minutos nos brindam com uma cena de puro génio cinematográfico, entre outras também muito boas: um homem está a ver-se ao espelho do armário - parece que finalmente alguém lhe descobriu uma utilidade. Porém, logo a seguir, mudam o armário de sítio e por trás do armário estava outro espelho - o homem não reage e continua simplesmente a ver-se ao novo espelho.
A segunda já emana Polanski. Durante um inverno frio (algo tão bem retratado), um velho arranja bonecas. As imagens são aterradoras - braços, pernas, corpos, olhos, caras sem olhos, nem boca, nem cabelo. Muitas sombras, projectadas por uma humilde lâmpada e ainda assim desfocadas pelo fumo de um cigarro. O cuco assustador dá o final do dia e o velho sai. Ainda menos luz, quando o dono da loja, do lado de fora, tapa as janelas com pedaços de madeira. Sussurros assustadores invadem a pequena sala (são as aterradoras bonecas) e tudo começa a arder. Lá fora, neva. As pessoas passam e, na noite, apenas se distinguem duas faixas de luz (do fogo), de dentro da loja, que não são tapadas pela madeira velha.
Labels:
Anos 50,
Anos 60,
Críticas,
Curtas-Metragens,
Estoril'10,
Roman Polanski
Subscribe to:
Posts (Atom)