Classificado como um "épico português", vistos pequenos trechos de belíssimas imagens, lidas algumas citações da mais consagrada imprensa internacional (e até da nacional - "obra prima perfeita", para Mário Jorge Torres do Ípsilon), com a grandiosa duração de 4h30min, o que mais se podia esperar de Mistérios de Lisboa, que valeu ainda um prémio de Melhor Realização a Raúl Ruiz, que não uma obra magnífica ?
Uma obra nada magnífica. Os planos são muito bonitos, graças a uma fotografia lindíssima, com uns décors, uma luz e um guarda-roupa irrepreensíveis, com enquadramentos milimétricos e movimentos de câmara de uma fluidez enternecedora (adoro câmaras em movimento), que criam uma tridimensionalidade proporcionadora de um grande ambiente de época e uma dinâmica de bailado e suavidade, que vai contrastar com a (tentativa de) "freneticidade" dos sentimentos retratados.
Porém, não é (só isto) que faz um filme. Logo na área da realização, encontrei algumas falhas que considero graves e outras que, acreditando terem sido intenção do director, resultaram mal para mim.
Falo de uma cena, na festa em que uma das mulheres recebe um bilhete e desmaia, em que no establishing shot vemos muitas pessoas (e a existência de um grupo alargado é algo que se depreende intuitivamente), em que as quatro ou cinco personagens que interessam surgem de repente num bocado do salão, mas um grande bocado sem ninguém, dando uma noção de perfeito ensaio, tirando qualquer credibilidade ao plano. Ou falo das cenas em que era claríssimo que a música que passava (um ponto positivo do filme) era diferente da que os músicos tocavam no ecrã. Ou falo dos planos experimentais ou talvez não, em que João/Pedro está doente, e que em nada combinam com o resto do tom do filme. Ou falo da cena (esta insere-se naquelas que foram intenção mas de que não gostei) em que Alberto de Magalhães rasga o bilhete, num plano totalmente contra-picado, e, lá em cima, toda a gente olha, em roda, feitos parvos.
Passo, enfim, para aquilo que, a meu ver, torna este um filme bastante mau - a fotografia pode ser lindíssima, mas não se pode descurar o argumento, ainda que nem narrativo seja, mas sim simbólico ou poético. Quem se lembrar de ter lido, neste mesmo blog, uma crítica ao filme "Milagre Segundo Salomé", poderá ter uma espécie de deja vú. Será por estarmos a falar do mesmo argumentista ? Quem sabe.
Em primeiro lugar, uma telenovela autêntica. Não é totalmente culpa do guionista, mas sim do próprio Camilo Castelo Branco, que assim escreveu a sua obra. De qualquer forma, passado para cinema, é uma autêntica e completamente desinteressante telenovela. Ou seja, o que se passa é uma conjugação de uma série de acontecimentos relativos a um certo número de personagens aparentemente desconexas, cujos caminhos acabam por se ligar de forma inexplicável, inevitável (a ideia romântica do destino), inexorável (o eterno sofrimento que comportam) e irritantemente melodramática.
Em segundo lugar, e creio que isto tem mais a ver com preferências pessoais, é uma estrutura narrativa que nada aprecio - os chamados "folhetins". Episódios sem grande ligação, que só acabam por fazer certo sentido no final, com relações causa-efeito ora inexistentes, ora forçadas, ora simplesmente estúpidas e chatas.
Em terceiro lugar, a introdução de momentos pseudo-engraçados (os arrotes do pirata/Alberto; o criado deficiente; o Marco D'Almeida), que foram completamente escusados. Não tiveram qualquer tipo de piada e só tiraram ainda mais qualidade ao filme.
Em quarto lugar, para mim o ponto mais crítico do filme, já que é o único que considero "deprimente": os diálogos. Uma tristeza. E, aqui sim, tal e qual como em Salomé. Personagens, em pleno século 18 ou 19, que dizem coisas como "Que seca !", "Que horror, meu amigo !", que se tratam constantemente por tu, e muitas, muitas outras coisas de que nem me lembro. Confesso, e até me senti estranho com isso, que, aqui, mandei valentes gargalhadas.
Termino fazendo referência a mais um ponto negativo do filme: os actores. No geral, péssimas interpretações - louvadas excepções que faço a Adriano Luz, Maria João Bastos, Albano Jerónimo e Joana de Verona. Destaco as piores (pelo menos relacionando a prestação com a importância da personagem): vi Ricardo Pereira a fazer de Ricardo Pereira (esperava muito mais); vi Afonso Pimentel a fazer de Afonso Pimental (não esperava outra coisa); vi Margarida Vila-Nova a aparecer 30 segundos e a fazer o pior desmaio que vi no cinema (grande desilusão). Vazio.
Não deixem de ir ver o filme. A maior parte das pessoas com quem já falei sobre ele ou gostou ou adorou. Opiniões. O balanço que faço, no entanto, não poderá nunca ser positivo. O facto de terem sido 272 minutos só tornou a coisa mais entediante.
Só a duração do filme já acho ridícula.
ReplyDeletePassa-me completamente ao lado..
A tua crítica contrasta um pouco com as que tenho lido por aí, até agora.A ver vamos,quando o vir, qual será a minha opinião. Para já não me posso pronunciar.
ReplyDeletebjs
Ainda não tive oportunidade de ir vê-lo (isto de ter que estudar para o teste de dto da família impede-me de fazer muita coisa), mas não deixo de estar curiosa! A tua crítica suscitou-me mais interesse. A duração do filme, no entanto, assusta-me, devo dizer.
ReplyDeleteCamilo Castelo Branco.
ReplyDeleteCamilo Castelo Branco. Romantismo.
Camilo Castelo Branco. Romantismo. Adaptação ao cinema.
Não posso deixar de congratular o blog.
Exacto.
ReplyDelete"Em primeiro lugar, uma telenovela autêntica. Não é totalmente culpa do guionista, mas sim do próprio Camilo Castelo Branco, que assim escreveu a sua obra. De qualquer forma, passado para cinema, é uma autêntica e completamente desinteressante telenovela."
Obrigado.