Sunday, August 29, 2010

Almodóvar e a complexidade familiar: Tacones Lejanos (1991) e Todo sobre mí madre (1999)


A verdade é que todos os filmes de Almodóvar, ou quase todos, poderiam ser desenvolvidos a partir daqui. Tinha de escolher e, para ser sincero, estou satisfeito.

Em Saltos Altos, penetramos numa interessante "negociação relacional" entre uma mãe e uma filha, definida por uma série de iniciativas ofensivas e defensivas, por parte de uma e outra, de natureza aparentemente egoísta, mas profundamente terna, que quase tornam o pedaço da sua vida a que assistimos numa mesa de reuniões, pautada por cedências e investidas, destinadas a encontrar o amor entre uma e outra. De um lado, está a frustração e solidão de uma mulher que enquanto criança fora abandonada por sua mãe, sem grande arrependimento, ou com superficialidade de sofrimento, depois de lhe ter proporcionado um passaporte para o seu sonho de se tornar uma cantora de sucesso. Do outro, está essa mesma mãe, internamente envergonhada, magoada consigo mesmo, por sentir o que perdeu na sua filha, quando volta ao fim de vários anos. Todos estes sentimentos são ardilosamente escondidos por cada uma delas, perante a outra, e vão-se revelando ao longo de uma película que raspa o thriller, mas em que a própria procura pela solução do homicídio é suplantada pela (re)construção de uma pequena família a dois.
Não sendo uma obra brilhante, vale a pena, e parte da sua beleza deve-se ao intenso uso, mais do que em qualquer outra, da música pop, que é, também ela, parte importantíssima de toda a relação que vamos descobrindo.



Muito diferente é o fenomenal Tudo Sobre a Minha Mãe. Talvez o mais arrojado (temática e cinematograficamente) filme de Almodóvar, embarca-nos nas suas já características descodificações emocionais da mulher, a nível inter e intrasubjectivo, atravessando o universo atmosfericamente escandaloso, e por vezes repugnante, da homossexualidade, da transsexualidade, da droga, das DST, de forma quotidiana, completamente livre de preconceito ou medo perante a crítica mais conservadora. Ora sempre muito colorido, ora mais sombrio e ainda assim vivo, é uma magnífica obra sobre os recônditos do feminino e sobre a igualdade dos Homens, desprezando qualquer argumento institucional para a orientação da sociedade. Um filme que diz muito, muito, sobre os ideais do seu autor.

5 comments:

  1. Não vi o TACONES, o TODO SOBRE MÍ MADRE é formidável. Com uma mise-en-scène cuidada e um argumento imprevisível, eis uma homenagem maior à mulher, à mãe e à figura e representação de ambas.

    Cumps.
    Roberto Simões
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  2. Tens aquele livro de capa vermelha que é uma entrevista ao Almodovar? Muito bom. Ias adorar! Eu tenho :-)

    O Tacones é muito bom! Tem a famosa cena do sexo oral à Victoria Abril, pendurada no varão, sentada em cima do Miguel Bosé.

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  3. ROBERTO: É isso.

    DORA: Não tenho, mas já estive com ele na mão várias vezes. Haverei de o comprar. Por agora, ando de volta do Truffaut/Hitchcock e depois devo ir para o Esculpir o Tempo, do Tarkovsky. Mas esse está na lista ! Aquilo é o quê, vida e obra ?
    O Tacones é muito interessante e muito pouco falado. Quanto a essa cena, também é uma das que mais me marcou, do filme. Talvez por surgir tão de repente.

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  4. Esmiuça cada filme dele. É muito bom.

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  5. ja nao vejo o Todo sobre mi madre a alguns anos, com esta visita lembrei me que era um bom filme para o rever.

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